31 de março de 2015

Razão e Sensibilidade (Jane Austen)

Publicado em 1811, Razão e sensibilidade é o primeiro trabalho de Jane Austen e foi aclamado já na época de sua publicação, que ocorreu de forma anônima. O romance traz a história das irmãs Elinor e Marianne Dashwood, que com suas personalidades e comportamentos opostos, representam a dualidade que dá título à obra.

No início do romance, Austen nos apresenta à família Dashwood - composta pelo Sr. Dashwood, sua esposa e suas três filhas (Elinor, Marianne e Margaret) -, que vive na renomada Norland Park, uma grande e belíssima propriedade localizada em Sussex, Inglaterra. O Sr. Dashwood se casou duas vezes, portanto sabe que de acordo com as leis vigentes na época, na ocasião de sua morte, sua esposa e filhas seriam deixadas sem nada, e sua fortuna e propriedade seriam entregues a seu filho primogênito, fruto de seu primeiro casamento. Durante o período retratado por Austen, mulheres não tinham direito à herança ou ao trabalho, assim, seu sustento seria garantido por seus familiares homens ou por um bom casamento.

Após a morte do Sr. Dashwood, que ocorre logo nos primeiros capítulos, suas filhas e esposa são deixadas à mercê da boa vontade de seu herdeiro, o Sr. John Dashwood. Este, por sua vez, acreditando estar fazendo mais que a sua obrigação, oferece à madrasta e às suas irmãs uma mísera quantia em dinheiro, o que as obriga a procurar uma nova residência que esteja de acordo com a nova renda. Assim, as Dashwood se mudam para Devonshire, onde passam a viver em um chalé emprestado por Sir John Middleton, um primo distante da Sra. Dashwood. E é neste novo e diferente ambiente – marcado por situações inconvenientes e pessoas, aparentemente, sem refinamento - que as duas protagonistas irão deparar com as primeiras dores resultantes de decepções amorosas.

Antes de partir para Devonshire, Elinor se apaixonou por Edward Ferrars, cunhado de seu irmão, que parece retribuir o seu sentimento, apesar de adotar uma postura mais tímida e reservada. Mesmo sabendo que o Sr. Ferrars está destinado a uma dama rica, Elinor não deixa de sonhar com a possibilidade de um dia poder ser a sua esposa e fica bastante frustrada ao ter que deixá-lo, passando a sofrer de forma silenciosa. Marianne, por sua vez, se apaixona perdidamente por Willoughby de Allenham, um cavalheiro que a salva após uma queda em um dia chuvoso. Ao contrário da irmã, Marianne é bastante efusiva em relação aos seus sentimentos, deixando claro para todos o que pensa e sendo incapaz de compreender a postura fria e calada de Elinor em relação a Edward.

Por meio da busca dessas duas irmãs por um final feliz, Jane Austen entrega ao leitor muito mais do que uma história de amor. Ela nos apresenta um romance sobre os costumes de uma época e de uma sociedade rígida, injusta e hipócrita; e ao criticar esta realidade, a autora faz uso de seu já conhecido senso de humor marcado pela ironia e pela exposição de seus personagens ao ridículo.

***

Acho muito difícil falar sobre este livro, porque sinto que por mais que tente, jamais conseguirei ressaltar tudo o que há de incrível neste clássico. Gosto muito da forma sutil como Jane Austen se utiliza de uma história de amor para criticar os costumes de sua época. Por meio do cotidiano dessas mulheres e suas vidas domésticas, a autora atenta para algumas questões que um olhar mais despercebido pode deixar passar batido.

Já perdi as contas de quantas vezes li comentários de pessoas dizendo que os livros de Jane Austen são superficiais, bobinhos e com personagens que apenas buscam um casamento. Creio que tais pessoas não levaram em consideração o contexto das histórias de Austen ao formularem os comentários. Pois, ao considerar a realidade das mulheres daquela época - que não podiam trabalhar, ir para a escola/universidade ou herdar uma fortuna -, compreende-se que o que elas poderiam esperar de melhor em suas vidas era, de fato, um bom casamento como forma de sustento. A “rebeldia” das heroínas de Austen está no fato de elas, apesar de não aceitarem a realidade em que estão inseridas, tentarem ser feliz nela, buscando um casamento feliz, ao lado de um homem que as aceite como são, retribuindo o afeto e respeitando-as intelectualmente.

Em Razão e sensibilidade, as heroínas têm personalidade e sabem o que querem, mesmo que seus desejos mais íntimos não estejam de acordo com as expectativas da sociedade. Marianne (que lembra um pouco Catherine Morland, de A abadia de Northanger) não tem medo de falar o que pensa, mesmo que sua honestidade possa ser interpretada como grosseria. Elinor despreza a noção de que um casamento bem sucedido se baseia em posses e poder econômico. Ambas querem casar por amor e lutam para que isso aconteça.

Ao apresentar duas protagonistas tão opostas, a autora também traz à tona um dos debates mais populares acerca da natureza humana: razão x emoção. No início do século XIX (cenário no qual o livro foi escrito), o Romantismo, com seu culto à sensibilidade, fazia oposição aos ideais iluministas, que prezavam pela razão. Por meio das heroínas em Razão e sensibilidade, o leitor entra em contato com as duas vertentes opostas de pensamento. Elinor, a razão, é uma jovem sensata, que esconde seus sentimentos e que sempre pensa muito antes de agir. Marianne, a emoção, é dramática, impulsiva e expansiva; todos sabem o que pensa ou sente; para ela, só é possível ter sentimentos se estes forem externados.

Além da dicotomia entre razão e emoção, o livro trabalha com outras formas de opostos, seja ao apresentar diferentes maneiras de olhar para um mesmo assunto (casamento como um negócio x casamento por amor) ou, mais uma vez, pelas personalidades dos personagens (Coronel Brandon x Willoughby, Elinor x Lucy Steele, Elinor x Srta. Morton, Marianne x Eliza, Marianne x Srta. Grey, Edward x Robert).

Em Razão e sensibilidade, Austen trata de outra questão comum em seus livros: a de preconceitos e julgamentos a partir da aparência de algo ou alguém. Como sempre, tais julgamentos são errôneos. A Sra. Jennings, por exemplo, é vista o tempo todo por Marianne como uma velha sem classe e inconveniente que só quer saber sobre a sua vida amorosa para fazer fofoca; porém, conforme a trama avança, a jovem percebe que, na verdade, a Sra. Jennings, apesar de seus defeitos, é uma mulher bastante maternal e que se preocupa com ela. Há também o caso de Willoughby, que surge como um príncipe encantado montado em um cavalo branco, mas que aos poucos vai se revelando justamente o oposto. Tanto os enredos, quanto os personagens de Jane Austen são marcados por camadas; tudo é muito mais profundo do que parece.

Quanto ao final, é preciso dizer que Jane Austen gosta de conceder finais felizes para suas heroínas e com Razão e sensibilidade não poderia ser diferente. Ambas as irmãs encontram desfechos muito positivos para jovens de sua época e, enquanto concordo com o fim de Elinor, não sei se posso dizer o mesmo em relação à Marianne. Fiquei com a sensação de que, de alguma forma, a autora resolveu punir a personagem por seu excesso de sentimentalismo, dando-lhe um final que pende mais para o lado racional. Ainda que fique claro, ao final da obra, que Austen defende a ideia de que é necessário que haja um equilíbrio entre razão e emoção, não consigo deixar de pensar que ela defende muito mais o lado da razão, enaltecendo o comportamento de Elinor e criticando o de Marianne.

Por fim, no que diz respeito à narrativa, a leitura flui bem no início e no fim, mas se torna lenta no meio. Há partes em que nada parece acontecer e, mesmo que o livro não deixe de ter seu encanto e despertar o interesse, nestes momentos se torna enfadonho. Também fiquei incomodada com o excesso de páginas dedicadas aos sofrimentos de Marianne em oposição às poucas oferecidas à Elinor, mas isso é mais uma questão de gosto, visto que Elinor é a minha preferida na história. No entanto, mesmo com um ritmo meio inconstante, a leitura de Razão e sensibilidade é extremamente válida e recomendada.

27 de março de 2015

Sobre spoilers | Vida de Leitora #11


Esta semana concluí a leitura de Razão e Sensibilidade, de Jane Austen, e fui correndo para a internet procurar opiniões de outras pessoas sobre o livro. Um dos vídeos que mais gostei de assistir foi o da booktuber canadense Ariel Bissett (para assistir, clique aqui), que aborda os principais temas tratados na obra clássica e comenta também sobre suas partes preferidas. Porém, enquanto assistia Ariel falando sobre as suas impressões de leitura deparei com uma indagação de minha parte e, creio, da parte de muita gente.

Em certo ponto do vídeo, Ariel fala sobre uma descoberta realizada pela heroína Elinor Dashwood apenas na metade do livro, revelando um trecho essencial do enredo. Assim, não pude deixar de pensar "pera, mas assim estraga a experiência de quem não leu o livro ainda". E aí, me pergunto: o que é um spoiler? Até quando a revelação dos acontecimentos de um livro pode ser considerada um spoiler?

Aos que não estão familiarizados com o termo, spoiler deriva da expressão de língua inglesa to spoil, que em uma tradução livre seria algo como estragar, e não diz respeito apenas ao universo literário; filmes e séries de televisão também podem ser estragados pela revelação de spoilers. Assim, se você não quer saber o que vai acontecer com o seu personagem preferido de um seriado, por exemplo, é muito importante ter cuidado por onde anda nesta terra de ninguém chamada internet. Vivemos em uma era muito ágil e é apenas uma questão de minutos até que uma informação caia da rede. Mesmo assim, com todo o cuidado do mundo, você ainda corre o risco de descobrir o desfecho de um livro antes de lê-lo. E aí, novamente, questionamos o que é, de fato, um spoiler.

Por exemplo, O sangue do Olimpo, desfecho da série Os heróis do Olimpo, foi lançado no final do ano passado e tem muita gente que ainda não o leu (tudo bem que estamos em março, mas livros demandam mais tempo que filmes, certo?). Então, se em uma conversa entre dois amigos, um revela ao outro o que acontece no final, penso que a revelação é um spoiler, visto que estragou a experiência daquele que ainda não leu. Por outro lado, temos os clássicos, como o citado Razão e sensibilidade, escrito há mais de 200 anos. Seria a revelação de um aspecto do enredo um spoiler? Tendo em vista que estamos falando de uma obra que sobreviveu a dois séculos, já foi adaptada para cinema e televisão e é encontrada em diversas referências na cultura pop, é de imaginar que muita gente já saiba o que acontece na história e, por isso, falar sobre fatos reveladores da trama não necessariamente é considerado um spoiler, certo? Não sei.

Há quem diga que qualquer informação que entregue muita coisa do enredo é um spoiler, não importa há quantos anos a obra exista. Há aqueles que entendem como spoiler qualquer revelação de acontecimentos de obras recentes e não se importam se descobrirem o final de um clássico, por exemplo. Eu, particularmente, evito buscar qualquer tipo de informações relacionadas aos livros que estou lendo ou tenho a intenção de ler. Faço isso porque gosto que meu contato com uma obra não sofra interferências externas e eu possa formar as minhas impressões com base no que eu, de fato, consegui capturar da leitura. Da mesma forma, evito comentar acontecimentos que considero reveladores - mesmo em clássicos - em minhas resenhas; se por alguma razão precisar falar o que acontece, aviso que spoilers virão. Assim, a pessoa decide se quer continuar a ler a resenha ou a assistir ao vídeo.

Esta é uma discussão na qual creio que não exista um certo e um errado, mas sim diferentes pontos de vista. Por isso, não consigo encontrar uma solução para o meu dilema.

Texto originalmente publicado na coluna Literalmente Falando, do blog Literature-se. 

19 de março de 2015

Objetos Cortantes (Gillian Flynn)

Em Objetos Cortantes, o romance de estreia de Gillian Flynn (autora de Garota Exemplar), o leitor é apresentado a uma trama de suspense, mistério policial e drama familiar. Camille Preaker, uma mulher de trinta e poucos anos que trabalha como repórter em Chicago, Illinois, se descreve como medíocre em seu trabalho. Pouco tempo após sair de uma internação em um hospital psiquiátrico, ela recebe uma pauta de seu editor e terá que voltar à pequena Wind Gap, sua cidade natal localizada no estado do Missouri (EUA), para cobrir o caso de crimes cometidos contra duas garotas locais. Uma delas foi brutalmente assassinada e seu corpo foi encontrado sem dentes. A outra está desaparecida.

Oito anos após abandonar Wind Gap com a certeza de que não voltaria para lá tão cedo, Camille se vê obrigada a entrar em contato com seu passado, seus colegas da adolescência e sua família bastante disfuncional. Adora, sua mãe, é a mulher mais rica da cidade, além de completamente neurótica. Alan, seu padrasto, sempre se manteve distante. Amma, sua meia-irmã adolescente, é uma completa estranha. Sem manter contato com os familiares durante a sua ausência, Camille vira hóspede na casa de sua mãe e passa a ser atormentada por recordações dolorosas do período em que ali vivera, incluindo a morte de Marian, sua irmã, há muitos anos.

Aos poucos, conforme se insere novamente na comunidade da qual fez parte, Camille começa a juntar informações para a sua matéria e, ao mesmo tempo, luta contra o tempo e a má vontade dos locais para conseguir alguma declaração oficial sobre as investigações dos crimes. Assim que suas perguntas começam a encontrar algumas respostas, ela percebe que a cidade esconde segredos perturbadores e sombrios.

Já fazia tempo que queria conhecer o trabalho de Gillian Flynn e resolvi começar por Objetos Cortanteslançamento de fevereiro da editora Intrínseca. A partir desta primeira leitura, já pude sentir que a autora não evita tratar de temas delicados e polêmicos por medo de não agradar ao público.

Em termos de expectativas – que não eram altas para evitar frustrações com livros e/ou autores amados por muitas pessoas -, as minhas foram alcançadas. Não sabia muito bem o que iria encontrar e, de forma alguma, adivinhei o que o livro me traria. Gillian Flynn é uma autora bastante talentosa; a forma como ela escreve e conduz os acontecimentos deixam o leitor completamente envolvido e com vontade de chegar rapidamente ao final para saber o que vai acontecer com os personagens.

Narrado em primeira pessoa pela protagonista, o livro apresenta uma história linear marcada por algumas intervenções do passado feitas pela narradora. No tempo presente, quando Camille inicia a sua apuração dos ocorridos em Wind Gap, tudo é apresentado conforme vai acontecendo, porém, com frequência sua narrativa é interrompida por recordações do período em que vivera ali. Assim, o leitor só passa a ter conhecimento da real relação entre Camille e Adora por meio das divagações da primeira.

Camille é uma das protagonistas mais diferentes com quem já deparei em minhas leituras. Ao mesmo tempo em que consegui enxergar muita determinação e força em sua maneira de agir, não pude deixar de achá-la bastante vulnerável e frágil; principalmente quando está diante de sua mãe; e isso está completamente relacionado à sua internação em um hospital psiquiátrico e seus problemas com o consumo de álcool. Adora, por sua vez, me desagradou desde a sua primeira aparição. Ela é uma mulher fria, desequilibrada e controladora; e a forma como trata as suas filhas é, no mínimo, assustadora. Despreza Camille e dirige à Amma uma adoração doentia. Ambas vivem à sombra de Marian, a irmã perfeita e morta há anos.

Amma, devo confessar, foi a personagem que mais me fascinou no livro. Enigmática do início ao fim, a garota é detestável e imprevisível. Ela é a mais popular e bonita do colégio, consegue tudo o que quer e é capaz de irritar adultos de uma forma inexplicável. De forma contraditória, há momentos em que é adorável e gentil. Assim como Adora, ela é bastante manipuladora e o leitor, assim como Camille, nunca consegue interpretar os motivos por trás de seu comportamento volátil. 

Wind Gap, com seus costumes tradicionais e conservadores típicos de cidades pequenas, constitui um cenário propício para o tipo de história que Gillian Flynn se propõe a contar. É uma cidade em que todo mundo se conhece, marcada por boatos, disputas sociais e, claro, aparências que escondem vidas vazias e problemáticas. Os crimes cometidos contra as duas garotas choca a comunidade, que prefere acreditar que o responsável é alguém de fora, ao invés de um conhecido. A polícia se recusa a dizer algo sobre as investigações e a comunidade, de forma geral, enxerga Camille como uma intrusa, oportunista que apenas quer usar a dor local como um meio de vender mais jornais. (Neste ponto, a autora aproveita para, de forma sutil, apontar para uma realidade de nossa sociedade). Justamente pela relutância da polícia em declarar algo sobre o caso, Camille começa a sua própria investigação como uma forma de obter informações para a matéria. E é por meio de cidadãos comuns, com suas fofocas e verdades constrangedoras, que a solução surpreendente e medonha começa a se desenrolar.

Não vou mentir, esperava mais da investigação em si. Porém, conforme avançava na leitura, me dei conta de que a história era mais um drama familiar do que um mistério policial. Assim, me contentei em tentar compreender os motivos para a relação extremamente disfuncional entre Camille, sua mãe e sua irmã. Vale ressaltar que por meio da relação entre mãe e filha, Gillian Flynn trata de uma questão que contraria um pensamento generalizado que existe na sociedade em que vivemos: o de que mulheres não podem ser cruéis. Aceitamos de forma muito fácil que homens podem ser assassinos, sequestradores, torturadores, etc.; porém, dificilmente imaginamos uma mulher que se enquadre em tais perfis. Porém, com as ações de Adora e a maneira como ela trata suas filhas, assim como o comportamento de Amma, fica claro para o leitor que mulheres – mães inclusive – podem sim ser muito cruéis. E a forma como essa ideia se apresenta no livro é profundamente doentia, gerando desconforto ao leitor.

E acho que essa foi mesmo a intenção da autora, fazer o leitor se sentir mal e incomodado. A história é realmente pesada. É forte, violenta e perturbadora. Terminei a leitura por volta das 3h da manhã e ainda fiquei mais uma hora remoendo aquele final e tentando entender qual é a mensagem que Gillian Flynn quis transmitir. Até o momento em que escrevo este texto não consegui me decidir se gostei ou não do livro, mas garanto que gostei muito da experiência de leitura e acho que, apenas por este fato, Objetos Cortantes merece ser lido e recomendado. Se com seu livro de estreia, Gillian Flynn já conseguiu me afetar assim, imagino o que os outros farão. Garota exemplar já aguarda na estante.

13 de março de 2015

Sobre atropelar leituras | Vida de Leitora #10


Oi, meu nome é Michelle e eu tenho um sério problema: eu atropelo as minhas leituras. Hoje quero conversar com vocês sobre um hábito que tenho como leitora e que vem me incomodado um pouco ultimamente. Venho, por meio deste post, procurar aqueles que como eu também sofrem deste mal e, quem sabe, encontrar alguma justificativa para tal comportamento.

Mas antes, vamos às explicações. O que quer dizer atropelar as leituras? Basicamente, atropelar uma leitura consiste em você largar um livro por conta de outro, mas não porque o primeiro seja ruim, e sim porque o segundo promete ser igualmente interessante. Vou exemplificar com uma situação real pela qual passei nesta última semana. Estou lendo o comentadíssimo Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie, e gostando muito da leitura; porém, recentemente, recebi um exemplar de Objetos cortantes, da famosa Gillian Flynn, que me intriga bastante, pois adoro um bom livro policial e morro de curiosidade para conhecer o trabalho da autora. Resultado: atropelei a leitura de Americanah e comecei Objetos cortantes. Não abandonei a leitura do primeiro, mas estou intercalando com a leitura do segundo. Ambos os livros, cada um à sua maneira, são bons.

Agora, pensem que antes de começar Americanah, atropelei a leitura de Razão e Sensibilidade, clássico de Jane Austen, autora cujo trabalho me agrada bastante. Estou lendo os três livros ao mesmo tempo; quatro, se somarmos o Profissões para mulheres e outros artigos feministas, de Virginia Woolf, que estou lendo mais devagar. Ah, tudo isso e mais o As aventuras de Robin Hood, de Alexandre Dumas, que está em stand by durante o mês de março. Entendem onde quero chegar? É muita leitura simultânea para pouco tempo. É muita vontade de ler várias coisas para uma pessoa só.

Juro para vocês que não sei o porquê deste meu comportamento. Não sei por qual razão sofro de tamanha impaciência que me impede de agir de forma normal e ler apenas um livro de cada vez. Se formos considerar que estou lendo uns cinco livros ao mesmo tempo, obviamente, não terminarei nenhum deles tão cedo, logo, esse comportamento não tem lógica alguma e só atrasa mais as leituras. 

Em uma tentativa de desvendar o mistério do meu atropelar das leituras, usei a desculpa de que intercalo livros para não me enjoar das histórias. Ou a de que tenho tanta sede por novas tramas que, simplesmente, começo a ler tudo de uma vez. A primeira desculpa até faria sentido se eu estivesse intercalando dois tipos diferentes de texto - um romance e uma biografia, por exemplo -, mas o que acontece está longe disso. Apenas um livro é de não-ficção, enquanto os demais diferem apenas no estilo de história. No fundo, acho que a segunda desculpa tem um certo fundo de verdade. Tenho sim muita vontade de conhecer diferentes histórias, explorar novos universos e, claro, conhecer o trabalho de muitos autores; porém, há de se concordar que dá para fazer tudo isso com uma dose de calma e paciência, certo? Acho que o que rola é aquele desespero de saber que há muita coisa boa para ser descoberta na literatura e que, por mais que tentemos, não iremos conseguir ler tudo o que existe para ler no mundo. A vida é curta, infelizmente.

Assim, tentamos nos contentar com aquilo que conseguimos ler e fazemos o possível para não esbarrar em livros ruins pelo caminho. E, claro, atropelamos as leituras. As atropelamos na esperança de que, agindo dessa forma, o desespero de saber que a vida é curta será amenizado, afinal de contas, estamos lendo o máximo que podemos em um curto espaço de tempo, certo? Bom, não sei em relação a vocês, mas para mim é errado. Por mais que eu tente me convencer que esse hábito deixa as minhas leituras mais dinâmicas, sei que não é bem assim que me sinto em relação a elas. Em uma das prateleiras do meu quarto, coloco os livros que estão em andamento e, ultimamente, quando olho para ela sinto um incômodo, porque 1) não era para ter tanta coisa lá e 2) estou gostando de todos os livros, então não sei qual deles escolher para ler antes de dormir. E, acreditem, isso é bem perturbador, porque perco uns bons minutos tentando escolher qual será a leitura da noite. Minutos que poderiam ser gastos com a leitura propriamente dita. Viram só? Não faz sentido algum. 

Ah, e acabei de me dar conta de que também estou lendo A Dança dos Dragões, de G.R.R. Martin. É, mais essa. E o livro é enorme. Acho que já deu para ter uma ideia do caos que anda a minha vida de leitora, né? Drama à parte, sei que não estou sozinha, então, se tiver alguém aí na mesma situação, sinta-se abraçado, ok? Não surte, vai dar tudo certo. E se alguém já passou por algo parecido, por favor, diga como foi que você fez para sair dessa situação ou para abandonar esse hábito? Sua ajuda será muito bem-vinda. Obrigada.


Texto originalmente publicado na coluna Literalmente Falando, do blog Literature-se.

6 de março de 2015

Alta Fidelidade (Nick Hornby)

(...) O que vem antes, a música ou o sofrimento? Eu ouvia música porque sofria? Ou sofria porque ouvia música? Será que aqueles discos todos é que me deixavam melancólico? (p.30)
Ambientado na Londres dos anos 1990, Alta Fidelidade, de Nick Hornby, traz a história de Rob, um cara de 35 anos que trabalha em uma loja de CDs, da qual também é dono. Após o fim de seu longo relacionamento com Laura, Rob tenta superar o ocorrido listando os cinco piores términos de namoro de toda a sua vida – começando pela primeira namorada, que conheceu nos tempos de colégio, até chegar às relações da fase adulta.

Ele é completamente obcecado por música, e passa a maior parte do seu tempo consumindo álbuns de seus artistas preferidos, adquirindo vinis novos e raros para a sua coleção e gravando mixtapes. Basicamente, sua existência se resume a abrir e fechar a loja e, entre essas funções, passar horas e mais horas na companhia de Dick e Barry – os funcionários da loja, de quem não gosta muito – conversando sobre música, insultando clientes que, aparentemente, não tem tanto conhecimento sobre o assunto e sofrendo por causa de Laura. Assim como Rob, Dick e Barry não tem uma vida além da loja.

Por meio de uma narrativa em primeira pessoa, Rob tenta nos convencer – no caso, convencer sua ex – de que o fim do namoro com Laura não foi, nem de longe, o mais humilhante de sua vida. Assim, por meio de seu TOP 5, nos transporta aos diferentes períodos de sua história, nos apresentando suas antigas namoradas e explicando as circunstâncias em que tais relacionamentos chegaram ao fim; tudo acompanhado de uma lista de músicas que marcaram aqueles momentos. Ao falar sobre esses relacionamentos, Rob deixa claro o impacto que cada um teve em seu futuro e tenta compreender o que aconteceu entre ele e Laura para que chegassem ao ponto em que chegaram. 

Com essa premissa, Nick Hornby, com uma escrita fluída e envolvente, apresenta o leitor a um drama sobre relacionamentos na modernidade que se transformou, segundo o The Guardian, em um clássico imediato. Apesar de ambientado 20 anos atrás, o enredo e os temas abordados em “Alta Fidelidade” permanecem atuais. Por meio da história de Rob, o autor trata de alguns dos problemas mais comuns ao ser humano do século XXI: o medo de relacionamentos e de confiar em outra pessoa, a dificuldade para amadurecer e o excesso de egoísmo e egocentrismo.

***

No fundo, o livro é um monólogo, no qual o protagonista tenta se encontrar, se fazendo de vítima e culpando suas ex-namoradas pela vida frustrante que leva. Rob é desagradável, pedante e imaturo e isso transparece em sua narrativa, de forma que o leitor consegue enxergar como ele é, mas ele não. Ele é uma pessoa superficial, que julga as outras tendo como base interesses e conhecimentos musicais, e se estes não estiverem de acordo com o que ele julga interessante, a pessoa se torna descartável. Ele não está pronto para um relacionamento sério, mas ao invés de assumir isso, prefere por a culpa na ex, dizendo que ela gostava de bandas que para ele eram intragáveis, e não aceitando que ela saia à procura de alguém que espera o mesmo que ela em um relacionamento.

Mas aquilo ali continha uma verdade séria e essencial, a de que essas coisas importam mesmo, portanto não é legal fingir que uma relação tem futuro quando as coleções de disco divergem violentamente, o quando os filmes preferidos de cada um nem conversariam caso se encontrassem em uma festa. (p. 117)

Mesmo sem simpatizar com Rob, não pude evitar sentir alguma identificação com algumas das coisas que ele diz, principalmente em relação a suas impressões sobre a música em geral e o poder que ela tem de modificar o nosso humor e nos trazer esperança em momentos em que tudo parece perdido. Gostei também de sua sinceridade em relação a algumas normas do comportamento social que, para ele, não fazem o menor sentido. Muitas vezes ele fala algumas coisas que podem incomodar, mas, quando paramos para pensar percebemos que não são tão absurdas e a gente até já pensou nelas, mas nunca as tornamos públicas.

Talvez vivamos, todos nós que passamos os dias absorvendo material emocional, num estado de alta intensidade, e consequentemente jamais consigamos estar simplesmente contentes: precisamos estar infelizes, ou absurda e apaixonadamente felizes, e esses são estados difíceis de se obter numa relação sólida e estável. (p. 166)

Por fim, “Alta Fidelidade” é um livro interessante, de fácil leitura, que proporciona algumas reflexões nas entrelinhas e está recheado de referências musicais. Gostei bastante da escrita de Nick Hornby e, com certeza, pretendo ter mais contato com seu trabalho. Leitura recomendada!

2 de março de 2015

Sobre maratonas literárias | Vida de Leitora #09

Fevereiro foi um mês estranho no quesito leituras, porque 1) iniciei várias leituras e 2) não concluí muitas. Normalmente, não saio por aí me descabelando por conta de mais ou menos livros lidos por mês, mas a situação relatada acima me deixou um tanto preocupada. Digo isso porque em nenhum momento tive a sensação de passar por uma ressaca literária, já que me sentia motivada para ler e os livros escolhidos estavam interessantes.

No fim, acho que fui possuída pelo espírito carnavalesco típico do mês de fevereiro e, quando não estava lendo, me entreguei a outras atividades de meu interesse. Ainda assim, sem arrependimentos por não ler, não queria chegar ao fim do mês sem, pelo menos, avançar bastante na leitura dos livros iniciados. Foi aí que me permiti entrar no embalo das maratonas literárias 24h, que parecem estar fazendo bastante sucesso entre os booktubers brasileiros que acompanho.

Mas antes de expressar o que penso desse tipo de experiência e compartilhar um pouco sobre o que foi a minha, acho válido utilizar alguns caracteres para explicar o que é uma maratona literária àqueles que não sabem muito bem sobre o que eu estou falando. Basicamente, uma maratona literária diz respeito a um determinado período de tempo em que uma pessoa - ou várias pessoas - se propõe a ler um determinado número de páginas/livros ou apenas a ler mais do que o que costuma ler rotineiramente. Uma das maratonas mais conhecidas do tipo é a gringa Bout of Books, que no último mês de janeiro chegou à sua décima segunda edição. O evento dura uma semana, na qual, além de ler bastante, os interessados podem participar de desafios e sorteios e fazer atualizações sobre o seu desempenho nas redes sociais. Aqui no Brasil, creio que a mais conhecida é a Maratona Literária, que segue os moldes da Bout of Books e já teve quatro edições, incluindo uma especial de Carnaval.

Citei apenas alguns dos exemplos mais conhecidos, mas é claro que há vários tipos de maratonas literárias - organizadas por blogs, canais literários e até nas redes sociais -, com diferentes durações e desafios. Sem contar aquelas mais pessoais que muitos leitores resolvem fazer sozinhos. Particularmente, eu adoro a ideia de maratona literária; penso que é um ótimo jeito de incentivar a leitura (no caso de maratonas organizadas por blogs, por exemplo, em que muita gente participa) e também de fazer com que coloquemos as nossas leituras em dia.

E foi justamente este segundo ponto que me motivou a fazer a minha própria maratona literária 24h durante o mês de fevereiro. Já que contava com alguns livros iniciados e nenhum concluído, pensei que se reservasse um dia para ler, poderia pelo menos concluir algumas dessas leituras e avançar bastante em outras. E, felizmente, a brincadeira foi divertida e pude obter resultados satisfatórios. Porém, penso que isso só ocorreu porque não me pressionei a ler e também porque não dispus de todas as 24 horas do dia para me dedicar à leitura. No dia escolhido para fazer a maratona, vários imprevistos apareceram pelo caminho, de forma que só parei para ler quando sabia que não seria interrompida. Sem perceber, acho que encontrei o segredo para uma maratona 24h sem dor, sofrimento e cansaço, rs. 

Sei que para muitos, as maratonas literárias nem sempre resultam em boas experiências. Há quem se sinta obrigado a ler, e sabemos que isso não é legal; há também aqueles que leem bastante na maratona, mas vivenciam uma ressaca literária tenebrosa nas semanas seguintes. Algo parecido aconteceu com a Mell depois que ela faz uma maratona 24h, lembram?

Então, acho que para se obter um resultado positivo em uma maratona literária, seja ela de qual tipo for, é importante encarar tudo como um jogo em que todo mundo sai ganhando e o que importa é a participação e não os resultados. Como para tudo na vida, a criação de expectativas pode ser um problema. Pode acontecer de estabelecermos metas impossíveis ou inviáveis durante aquele período em que a maratona vai acontecer; então, quando o evento chega ao fim, o que sobra é a frustração por não conseguir atingir os seus objetivos de leitura iniciais. Por isso, é importante escolher um bom momento para participar de uma maratona literária e também se certificar de que você está no ~clima~ para ficar lendo por várias horas. Ah, e a escolha dos livros é bastante importante. Penso que as leituras mais recomendadas para esse tipo de experiência sejam aquelas que instigam o leitor e prendem a sua atenção; aventura, ação e mistério, por exemplo, são os meus gêneros preferidos para uma maratona literária, pois trazem tramas envolventes que dificilmente me deixam cansada ou entediada depois de algumas horas. 

Se as dicas acima forem levadas em consideração na hora de participar de uma maratona literária, o leitor tem tudo para ter uma ótima experiência de leitura. Assim, concluo o texto afirmando que gosto de maratonas literárias e que pretendo participar desse tipo de evento sempre que for possível e eu estiver com vontade. 

Texto originalmente publicado na coluna Literalmente Falando, do blog Literature-se.