31 de março de 2015

Razão e Sensibilidade (Jane Austen)

Publicado em 1811, Razão e sensibilidade é o primeiro trabalho de Jane Austen e foi aclamado já na época de sua publicação, que ocorreu de forma anônima. O romance traz a história das irmãs Elinor e Marianne Dashwood, que com suas personalidades e comportamentos opostos, representam a dualidade que dá título à obra.

No início do romance, Austen nos apresenta à família Dashwood - composta pelo Sr. Dashwood, sua esposa e suas três filhas (Elinor, Marianne e Margaret) -, que vive na renomada Norland Park, uma grande e belíssima propriedade localizada em Sussex, Inglaterra. O Sr. Dashwood se casou duas vezes, portanto sabe que de acordo com as leis vigentes na época, na ocasião de sua morte, sua esposa e filhas seriam deixadas sem nada, e sua fortuna e propriedade seriam entregues a seu filho primogênito, fruto de seu primeiro casamento. Durante o período retratado por Austen, mulheres não tinham direito à herança ou ao trabalho, assim, seu sustento seria garantido por seus familiares homens ou por um bom casamento.

Após a morte do Sr. Dashwood, que ocorre logo nos primeiros capítulos, suas filhas e esposa são deixadas à mercê da boa vontade de seu herdeiro, o Sr. John Dashwood. Este, por sua vez, acreditando estar fazendo mais que a sua obrigação, oferece à madrasta e às suas irmãs uma mísera quantia em dinheiro, o que as obriga a procurar uma nova residência que esteja de acordo com a nova renda. Assim, as Dashwood se mudam para Devonshire, onde passam a viver em um chalé emprestado por Sir John Middleton, um primo distante da Sra. Dashwood. E é neste novo e diferente ambiente – marcado por situações inconvenientes e pessoas, aparentemente, sem refinamento - que as duas protagonistas irão deparar com as primeiras dores resultantes de decepções amorosas.

Antes de partir para Devonshire, Elinor se apaixonou por Edward Ferrars, cunhado de seu irmão, que parece retribuir o seu sentimento, apesar de adotar uma postura mais tímida e reservada. Mesmo sabendo que o Sr. Ferrars está destinado a uma dama rica, Elinor não deixa de sonhar com a possibilidade de um dia poder ser a sua esposa e fica bastante frustrada ao ter que deixá-lo, passando a sofrer de forma silenciosa. Marianne, por sua vez, se apaixona perdidamente por Willoughby de Allenham, um cavalheiro que a salva após uma queda em um dia chuvoso. Ao contrário da irmã, Marianne é bastante efusiva em relação aos seus sentimentos, deixando claro para todos o que pensa e sendo incapaz de compreender a postura fria e calada de Elinor em relação a Edward.

Por meio da busca dessas duas irmãs por um final feliz, Jane Austen entrega ao leitor muito mais do que uma história de amor. Ela nos apresenta um romance sobre os costumes de uma época e de uma sociedade rígida, injusta e hipócrita; e ao criticar esta realidade, a autora faz uso de seu já conhecido senso de humor marcado pela ironia e pela exposição de seus personagens ao ridículo.

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Acho muito difícil falar sobre este livro, porque sinto que por mais que tente, jamais conseguirei ressaltar tudo o que há de incrível neste clássico. Gosto muito da forma sutil como Jane Austen se utiliza de uma história de amor para criticar os costumes de sua época. Por meio do cotidiano dessas mulheres e suas vidas domésticas, a autora atenta para algumas questões que um olhar mais despercebido pode deixar passar batido.

Já perdi as contas de quantas vezes li comentários de pessoas dizendo que os livros de Jane Austen são superficiais, bobinhos e com personagens que apenas buscam um casamento. Creio que tais pessoas não levaram em consideração o contexto das histórias de Austen ao formularem os comentários. Pois, ao considerar a realidade das mulheres daquela época - que não podiam trabalhar, ir para a escola/universidade ou herdar uma fortuna -, compreende-se que o que elas poderiam esperar de melhor em suas vidas era, de fato, um bom casamento como forma de sustento. A “rebeldia” das heroínas de Austen está no fato de elas, apesar de não aceitarem a realidade em que estão inseridas, tentarem ser feliz nela, buscando um casamento feliz, ao lado de um homem que as aceite como são, retribuindo o afeto e respeitando-as intelectualmente.

Em Razão e sensibilidade, as heroínas têm personalidade e sabem o que querem, mesmo que seus desejos mais íntimos não estejam de acordo com as expectativas da sociedade. Marianne (que lembra um pouco Catherine Morland, de A abadia de Northanger) não tem medo de falar o que pensa, mesmo que sua honestidade possa ser interpretada como grosseria. Elinor despreza a noção de que um casamento bem sucedido se baseia em posses e poder econômico. Ambas querem casar por amor e lutam para que isso aconteça.

Ao apresentar duas protagonistas tão opostas, a autora também traz à tona um dos debates mais populares acerca da natureza humana: razão x emoção. No início do século XIX (cenário no qual o livro foi escrito), o Romantismo, com seu culto à sensibilidade, fazia oposição aos ideais iluministas, que prezavam pela razão. Por meio das heroínas em Razão e sensibilidade, o leitor entra em contato com as duas vertentes opostas de pensamento. Elinor, a razão, é uma jovem sensata, que esconde seus sentimentos e que sempre pensa muito antes de agir. Marianne, a emoção, é dramática, impulsiva e expansiva; todos sabem o que pensa ou sente; para ela, só é possível ter sentimentos se estes forem externados.

Além da dicotomia entre razão e emoção, o livro trabalha com outras formas de opostos, seja ao apresentar diferentes maneiras de olhar para um mesmo assunto (casamento como um negócio x casamento por amor) ou, mais uma vez, pelas personalidades dos personagens (Coronel Brandon x Willoughby, Elinor x Lucy Steele, Elinor x Srta. Morton, Marianne x Eliza, Marianne x Srta. Grey, Edward x Robert).

Em Razão e sensibilidade, Austen trata de outra questão comum em seus livros: a de preconceitos e julgamentos a partir da aparência de algo ou alguém. Como sempre, tais julgamentos são errôneos. A Sra. Jennings, por exemplo, é vista o tempo todo por Marianne como uma velha sem classe e inconveniente que só quer saber sobre a sua vida amorosa para fazer fofoca; porém, conforme a trama avança, a jovem percebe que, na verdade, a Sra. Jennings, apesar de seus defeitos, é uma mulher bastante maternal e que se preocupa com ela. Há também o caso de Willoughby, que surge como um príncipe encantado montado em um cavalo branco, mas que aos poucos vai se revelando justamente o oposto. Tanto os enredos, quanto os personagens de Jane Austen são marcados por camadas; tudo é muito mais profundo do que parece.

Quanto ao final, é preciso dizer que Jane Austen gosta de conceder finais felizes para suas heroínas e com Razão e sensibilidade não poderia ser diferente. Ambas as irmãs encontram desfechos muito positivos para jovens de sua época e, enquanto concordo com o fim de Elinor, não sei se posso dizer o mesmo em relação à Marianne. Fiquei com a sensação de que, de alguma forma, a autora resolveu punir a personagem por seu excesso de sentimentalismo, dando-lhe um final que pende mais para o lado racional. Ainda que fique claro, ao final da obra, que Austen defende a ideia de que é necessário que haja um equilíbrio entre razão e emoção, não consigo deixar de pensar que ela defende muito mais o lado da razão, enaltecendo o comportamento de Elinor e criticando o de Marianne.

Por fim, no que diz respeito à narrativa, a leitura flui bem no início e no fim, mas se torna lenta no meio. Há partes em que nada parece acontecer e, mesmo que o livro não deixe de ter seu encanto e despertar o interesse, nestes momentos se torna enfadonho. Também fiquei incomodada com o excesso de páginas dedicadas aos sofrimentos de Marianne em oposição às poucas oferecidas à Elinor, mas isso é mais uma questão de gosto, visto que Elinor é a minha preferida na história. No entanto, mesmo com um ritmo meio inconstante, a leitura de Razão e sensibilidade é extremamente válida e recomendada.

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