24 de abril de 2015

O Livro Selvagem (Juan Villoro)

Quando tinha 13 anos Juan teve que lidar com uma situação difícil e dolorosa: seus pais se divorciaram. Perdido, assistindo ao sofrimento de sua mãe, sem saber como agir e com raiva do pai, o garoto é enviado para a casa de um tio – na verdade, um primo distante de sua mãe -, onde deverá permanecer durante as suas férias de verão.

Tio Tito é um cara solitário que mora em uma casa antiga, enorme e cheia de cômodos. Ah, e ele tem uma obcessão peculiar: livros. Sua residência é, na verdade, uma grande biblioteca, pois em cada canto – na cozinha, na sala, nos quartos, nos banheiros, nas escadas, etc. – é possível encontrar livros. E a coleção trata dos mais diversos temas, que vão desde “os dentes das avós” até “como governar sem ser presidente”. Contrariado, Juan demora a se adaptar à vida na casa do tio Tito, achando-o um tanto excêntrico e estranhando seus hábitos, como beber chá de cachimbo incessantemente e desprezar qualquer tipo de barulho que interrompa suas experiências de leitura, o que o impede de ter um telefone em casa, por exemplo.

Aos poucos, o garoto começa a compreender a dinâmica da casa e se aventura pelas estantes, mesmo sem gostar de ler, à procura de algum livro que possa lhe interessar. Dividindo o seu tempo entre a leitura e fazer companhia para o tio, Juan recebe deste a missão de encontrar O livro selvagem, um livro misterioso, que não se permite ser lido e que está escondido na biblioteca. Para isso, ele irá contar com a ajuda de Catalina, uma garota que trabalha na farmácia da esquina e que compartilha com Juan a recém descoberta paixão pelos livros. 


Falando de forma direta: amei O livro selvagem, que acredito ser uma das melhores leituras que farei em 2015. Juan Villoro conseguiu, em poucas páginas, apresentar uma história cativante, envolvente e capaz de fazer o leitor sorrir a cada virada de página. A leitura me proporcionou sensações semelhantes às que tive quando conheci dois dos meus livros preferidos: A história sem fim, de Michael Ende, e A sombra do vento, de Carlos Ruiz Zafón.

A narrativa – feita em primeira pessoa por Juan (o personagem) – é simples, fluida e bastante divertida. Por meio dos diálogos entre o protagonista com tio Tito, o autor aproveita para fazer referências e citar autores e livros conhecidos, como Julio Cortazar, A metamorfose, de Franz Kafka e Moby Dick, de Herman Melville. É também através destas conversas que Villoro tenta mostrar a importância e o poder dos livros para a vida de seus leitores.

Ao longo de toda a leitura é possível deparar com uma metáfora belíssima, em que o autor compara livros com remédios e livrarias/bibliotecas com farmácias. De acordo com tio Tito, pessoas doentes vão à farmácia procurando algum medicamento que as faça se sentirem melhor e o mesmo procedimento pode ser aplicado a uma visita a uma livraria ou biblioteca. As pessoas buscam livros que as deixem bem, dizendo aquilo que precisam escutar naquele exato momento. 

O enredo conta também, ainda que de forma sutil, com alguns elementos de fantasia que só o tornam ainda mais interessante. A biblioteca de tio Tito, por exemplo, traz livros que se movimentam quando ninguém os observa, mudando de lugar quando querem ser lidos ou não, podendo também escolher o leitor. Catalina, quando lê uma história, pode transformá-la em algo muito melhor. E há o livro selvagem, que se esconde nas sombras da biblioteca, pois não quer que ninguém o leia.
"Nada tem tanto caráter quanto um livro. Uma biblioteca é um 'almário': uma coleção de almas, sobrinho. Os livros se locomovem como as almas nos cemitérios, para se aproximar ou fugir de alguém". (p.35)

"(...) Há duas maneiras de um livro chegar até você: a normal e a secreta. A normal é aquela em que você o compra, ou alguém lhe dá ou empresta. Já a secreta é muito mais importante: nesse caso, é o livro que escolhe seu leitor. Às vezes, as duas maneiras se confundem. Você acha que decidiu comprar um determinado livro, mas na verdade foi ele que se colocou ali para que você o enxergasse e se sentisse atraído." (p. 37)

Quando faltavam poucas páginas para a conclusão do livro – que tem apenas 192 páginas, vejam só! -, fiquei triste porque não queria que a história chegasse ao fim. Ao mesmo tempo em que fiquei encantada com o universo da biblioteca do tio Tito, não pude deixar de me afeiçoar também aos personagens e acompanhar o desenvolvimento de suas histórias enquanto procuravam o livro misterioso. Gosto muito da forma como o autor foi construindo a relação entre Juan e o tio Tito e de como a literatura e o amor pelos livros se relaciona com tudo isso.

Acho difícil que um leitor apaixonado se sinta de forma diferente, pois O livro selvagem cativa o leitor, que se identifica com Juan descobrindo o mundo da leitura e o poder que os livros têm de nos tocar, nos ajudar e nos transformar. Por isso, a leitura é mais que recomendada; ainda que o livro seja direcionado à um público juvenil, a história é atraente para adultos também.

"Todo livro está adormecido até que um leitor o acorde. Dentro dele vive a sombra da pessoa que o escreveu". (p. 164)

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