27 de abril de 2014

A outra volta do parafuso (Henry James)

A outra volta do parafuso traz aquilo que poderíamos chamar de uma história dentro de outra e tem início com um grupo de amigos reunidos, às vésperas de natal, em uma antiga casa em Londres para contar histórias de terror. Após escutar uma narrativa envolvendo aparições de espíritos e crianças, Douglas decide contar uma história que lhe foi confiada em um manuscrito há muitos anos. Os acontecimentos, ele afirma, são reais e registram algo monstruoso, nunca antes escutado - a não ser por ele.
"Ninguém, além de mim, até agora, a ouviu. É, de fato, horrível demais". (...) "Em matéria de horror?", lembro-me de haver perguntado. (...) Ele parecia dizer que a coisa não era assim tão simples; que na verdade, lhe faltavam palavras para qualificá-la. Passou a mão pelos olhos, fez um pequeno esgar de repulsa. "De monstruosidade - monstruosidade!" (P.08)
De posse do manuscrito onde a história é contada, Douglas começa a lê-la para seus companheiros e, neste ponto, o livro ganha uma nova narradora. O leitor conhece uma governanta - cujo nome nunca é revelado - filha de um pároco que recebe a sua primeira proposta de emprego: tomar conta de duas crianças órfãs que vivem, sob os cuidados de um tio bastante ausente, em uma região do interior chamada Bly.

Ao chegar à Bly, a governanta logo se torna amiga da sra. Grose, uma das empregadas da casa, e é informada sobre os seus novos pupilos: Flora e Miles, as duas crianças mais lindas e doces que já existiram. Durante os seus primeiros dias de trabalho, a narradora recebe uma carta da escola de Miles informando que o menino fora expulso por perturbar as demais crianças. Sem compreender como um menino tão gentil pudera ser expulso, a governanta fica intrigada. E essa sensação só aumenta quando duas aparições, atribuídas à dois criados mortos, passam a assombrar a propriedade.

***

Sem sombra de dúvidas, Henry James sabia criar uma atmosfera horripilante e propícia para histórias de terror. Já havia algum tempo que queria ler algo do autor mas nunca sabia por onde começar; hoje sei que não poderia ter feito escolha melhor.

A outra volta do parafuso reúne elementos de mistério e terror que resultam em uma história intrigante, assustadora e muito ambígua. Durante todo o tempo em que acompanhamos a narrativa da governanta - que busca compreender o que aquelas duas aparições querem ao voltarem para o mundo dos vivos e se aproximarem de suas queridas crianças - não sabemos o que é verdade e o que pode ser alucinação. Com exceção da narradora, é impossível perceber quem mais presencia o fenômeno sobrenatural e todos os diálogos do livro são carregados de muita ambiguidade, abrindo margem para mais de uma interpretação dos acontecimentos. E acho que é justamente este fator que faz desta uma história incrível.

Por estarmos sempre presos ao ponto de vista da governanta, é inevitável nos deixarmos levar por suas afirmações; porém, em diversas passagens, o leitor percebe algumas contradições e começa a se questionar. E ainda assim, é impossível, ao concluir a leitura, chegar à um consenso do que de fato aconteceu. Porém, nada disso se torna um empecilho para que se tenha uma boa experiência de leitura, que rende muitos momentos de tensão e arrepio no pescoço. Não sou o tipo de pessoa que sente medo de histórias de terror, mas A outra volta do parafuso conseguiu me surpreender em alguns momentos; não cheguei a ficar com medo a ponto de fechar o livro, mas foi impossível não me impressionar com a forma como as aparições foram descritas por Henry James. 
O dia estava bem cinzento, mas a luz da tarde ainda resistia, e ela me permitiu, ao cruzar a soleira, que não apenas reconhecesse, (...) mas também percebesse a presença de uma pessoa do lado de fora da janela, olhando diretamente para dentro. (P. 39)
A pessoa que olhava diretamente para dentro de casa era a mesma que já me havia aparecido. (...) mas com uma proximidade que representava um avanço no nosso relacionamento e que me fez, ao defrontar-me com ele, prender a respiração e gelar. (P.40)
Apesar de ter gostado muito da leitura, tenho apenas uma ressalva: a narrativa, por vezes, prolixa. Por ser um clássico, já sabemos que um livro trará um ritmo diferente dos livros contemporâneos. Porém, no caso de A outra volta do parafuso, a narradora se perde muito em seus pensamentos e isso, na minha experiência, acabou por quebrar um pouco o ritmo de tensão. Claro que muitos dos devaneios tornaram possível perceber uma evolução da personagem, mas também, em outros momentos, pareciam não acrescentar nada à narrativa. Este fator não chega a ser algo realmente incômodo, mas pode ser um obstáculo para algumas pessoas, por isso, achei interessante mencionar. Ainda assim, não posso deixar de recomendar este clássico de terror para todos aqueles que gostam de sentir um pouco de medo de vez em quando. ✦

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