28 de dezembro de 2019

O Apanhador no Campo de Centeio (J.D. Salinger)

O apanhador no campo de centeio, de J.D. Salinger, é considerado um marco na literatura do século XX. Publicado em 1951, quando o autor tinha 32 anos, o livro se destacou por retratar a adolescência de uma maneira diferente da vista até então. Salinger, por meio da narrativa de seu protagonista, foi capaz de captar todas as angústias, os anseios e as incertezas típicas dessa fase da vida em uma época em que isso não era comum.

Holden Caulfield, um adolescente de 16 anos, inicia sua história em um lugar para o qual foi "pra relaxar um tiquinho" e decide explicar ao leitor os acontecimentos que o levaram a essa situação. Assim, somos conduzidos por uma série de eventos em sua vida desde o momento em que foi expulso pela quarta vez de um colégio interno até o instante em que ele começa a narrativa. E é ao acompanhar o fim de semana de Holden pelas ruas da cidade de Nova York no início dos anos 1950 que o leitor, por meio das reflexões do personagem, é exposto aos temas centrais da obra de Salinger: o fim da infância, a perda da inocência e a transição para a vida adulta - e toda a avalanche de emoções conflitantes, convicções e contradições que surgem durante esse período de mudanças intensas.

Apesar de se manter como um dos livros mais lidos e aclamados ao longo das décadas, O apanhador no campo de centeio é até hoje uma das obras que mais divide opiniões e gera controversas. Isso ocorre, principalmente, por conta do protagonista que, muitas vezes, é enxergado apenas como um adolescente "reclamão". Contudo, um leitor com olhar mais atento e uma sensibilidade mais aguçada, não tarda a perceber que, por meio de sua narrativa ácida e cheia de sarcasmo, Holden - e, consequentemente, Salinger - está tecendo críticas à uma sociedade com valores falidos e marcada pela hipocrisia dos "fajutos", os adultos aos quais ele culpa por esses problemas. Em diversos pontos da história, o protagonista é questionado a respeito do que está fazendo com sua vida e do que espera para seu futuro e, mesmo sendo claro o fato de que ele não sabe e está completamente perdido, Salinger oferece ao leitor uma das respostas mais originais à pergunta e, ao mesmo tempo, nos permite um vislumbre do verdadeiro Holden e de toda a sua vulnerabilidade.

Também intrínseca na narrativa está a questão da saúde mental, muitas vezes negligenciada pelos críticos mais ávidos de Holden Caulfield. Ele não só encontra dificuldade para se adaptar ao fim da infância, mas também está vivendo um período de luto com o qual não sabe lidar. A percepção da morte e a dificuldade de aceitá-la, a desilusão com um mundo pós-guerra, a pressão das responsabilidades da vida adulta e o medo de se tornar um "fajuto" colocam o protagonista à beira de um colapso. E é essa uma das razões para o seu comportamento indignado e incompreendido.

Originalmente publicado para o público adulto, O apanhador no campo de centeio também se tornou popular entre os adolescentes - que muitas vezes se enxergam no protagonista - e se consolidou como um dos maiores clássicos da literatura universal por conta de sua atemporalidade. Um dos maiores destaques do livro está no fato de que ele melhora a cada releitura e, quanto mais velhos ficamos, mais profundos se tornam os seus significados. O livro também pode ser considerado um precursor da literatura YA contemporânea e o legado de Salinger vive em obras de autores como John Green, David Levithan e Stephen Chbosky.

4 de junho de 2019

A Noiva Fantasma (Yangsze Choo)

Sinopse: 
1893. Li Lan é uma jovem que recebeu educação e cultura, mas que vive sem grandes perspectivas depois da falência de seus pais. Até surgir uma proposta capaz de mudar sua vida para sempre: casar-se com o herdeiro de uma família rica e poderosa. Há apenas um detalhe: seu noivo está morto. 

***
Quando li A Noiva Fantasma pela primeira vez, em 2015, lembro de não ter gostado e de ter me sentido enganada de alguma forma. Depois de um tempo, percebi que isso tinha acontecido porque criei expectativas - coisa que tento não fazer, mas que nem sempre consigo evitar. Tudo me levou a crer que encontraria um livro mais sombrio, algo bem distante da fantasia YA que o livro realmente é.

Uma vez que superei a experiência frustrante, comecei a sentir vontade de reler, pois algo me dizia que poderia aproveitar melhor já sabendo como seria a história. Agora que realizei a releitura, digo que estava certa na suposição, pois a segunda experiência com o livro foi completamente diferente, principalmente da metade para a frente, já que não lembrava de nada além do final.

Sobre a narrativa, dá para dizer que a autora fez um bom trabalho ao envolver o leitor na atmosfera da história. Tudo é muito fluído, com um ritmo que mantém o leitor envolvido do início ao fim e torna a leitura bastante imersiva. Dessa vez, em nenhum momento senti que a leitura estava se arrastando.

A protagonista, Li Lan, é um pouco ingênua e me lembro de este aspecto ter me incomodado; contudo, ao revisitar a história, compreendi que esse comportamento faz sentido se considerarmos o contexto em que ela está inserida. Uma jovem super protegida do século XIX se comportaria daquela forma e em alguns momentos, é possível perceber que ela tenta, à sua maneira, lutar contra as convenções sociais da época. Se antes havia considerado o final absurdo, agora encaro a escolha de Li Lan como algo bastante subversivo e coerente para alguém em sua posição. Ao acompanharmos sua jornada, percebemos que a personagem evolui e não só descobre quem é, mas também começa a questionar a vida que viveu até então. O romance também havia sido um problema durante a primeira leitura, porém um olhar mais atento e sem expectativas me fez enxergar sentido nele. Agora, gosto do casal e adorei a evolução do relacionamento.

Nas duas experiências, o personagem mais interessante para mim foi o Er Lang. No Goodreads, a autora comentou que adoraria escrever um livro sobre ele, mas que não era o seu foco no momento. Espero que ela mude isso algum dia, pois quero muito saber mais sobre o personagem. 

Por fim, gostei de conhecer um pouco sobre uma cultura diferente. A tradição da noiva fantasma era algo de que nunca tinha ouvido falar e achei bastante curiosa. Foi interessante ler uma história ambientada na Malásia colonial, um contexto que mistura as diferentes culturas locais com a cultura inglesa. Percebi que não conheço muitas histórias ambientadas durante esse período e fiquei intrigada o suficiente para pesquisar mais sobre o assunto. Leitura recomendada!


30 de maio de 2019

Se não eu, quem vai fazer você feliz? (Graziela Gonçalves)

 Sinopse:

Um dos maiores ícones do rock nacional, Alexandre Magno Abrão, o Chorão, conquistou o Brasil sobretudo pela sua entrega na hora de compor e cantar. Essa mesma intensidade marcou a história de amor ímpar vivida com Graziela Gonçalves, que conta neste livro como o relacionamento de quase vinte anos dos dois a transformou para sempre.
Ela conheceu o cantor antes de sua banda estourar e se tornar uma das mais populares do país. Com suas ideias e seu apoio, Grazi teve participação importante na construção do sucesso do Charlie Brown Jr. Foi a grande musa de Chorão, que escreveu inúmeras letras inspirado nela. Como companheira de Alexandre, passou com ele os melhores e os piores momentos, e o ajudou a enfrentar a dependência química, que o levou, tragicamente, à morte em 2013.
Se não eu, quem vai fazer você feliz? não vai tocar apenas os fãs de Chorão. Mesmo sem conhecer sua música, é impossível não se emocionar com a força desse amor que sobreviveu à fama, às crises e até à morte — e que é homenageado neste livro.

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O livro é uma mistura de autobiografia e livro de memórias em que Graziela Gonçalves conta um pouco de sua história, como conheceu o Alê, conhecido por todos nós como Chorão, e como foi a história que eles viveram juntos.

Gostei muito de como ela construiu o cenário de Santos nos anos 80 e 90, pois consegui ser transportada para aquela época. Outro ponto importante da ambientação é que consegui entender o contexto em que o Charlie Brown Jr. surgiu e perceber a influência da cidade na obra do Chorão.

A maneira como Grazi fala sobre como conheceu o Alê é muito gostosa de acompanhar. Adorei o trecho em que mesmo tendo a música como parte muito importante de sua vida e de seus anos de formação, ela nunca, nem em seus sonhos mais impossíveis, havia imaginado que ocuparia a posição (ou seria papel?) de musa inspiradora. Amei conhecer as histórias por trás das letras das músicas do Charlie Brown Jr. É lindo pensar que o romance dos dois está imortalizado por elas.

Ao falar sobre o Chorão, Grazi não poupa palavras e é bastante sincera. Enaltece suas qualidades, mas não omite seus defeitos. Achei curioso o fato de ela reconhecer que abriu mão de muitos de seus sonhos para seguir os sonhos do Alê. Foi triste ler sobre como ela se sentiu vazia depois que ele faleceu, não apenas pela dor da perda e do luto, mas também por perceber que não sabia mais quem ela era sem o Alê.

No final, ela comenta como a abandonaram depois da morte do Chorão - pessoas que antes eram tão próximas se tornaram estranhas. Além disso, tentaram não apenas "apagar" a sua importância para a banda, mas também a culparam parcialmente pela morte do Alê. Ela explica que escreveu o livro para contar a história que os dois viveram juntos, em que sonharam juntos, e também para compartilhar um lado do Chorão não muito perceptível por trás daquele jeito de brigão que ele tinha. Através dos olhos da Grazi, enxergamos o Alê: um cara sensível, inseguro e vulnerável que se escondia por trás daquela postura.

Terminei a leitura apaixonada pela história deles, com vontade de visitar Santos e, definitivamente, com vontade de conhecer mais do trabalho do Charlie Brown Jr. Leitura recomendada!