30 de janeiro de 2015

O garoto no convés (John Boyne)

Em O garoto no convés, John Boyne entrega ao leitor um romance histórico e de formação, trazendo a história de John Jacob Turnstile, um rapaz que terá a sua vida transformada após integrar a tripulação do famoso navio HMS Bounty.

O HMS Bounty foi um navio na Marinha Inglesa do século XVIII comandado pelo tenente William Bligh e que tinha como missão uma viagem até o Taiti para buscar um carregamento de mudas de fruta-pão. As mudas seriam plantadas na Jamaica e serviriam como alimentação boa e barata para os escravos. Porém, em abril de 1789, o Bounty serviu de palco para um motim, no qual o imediato do capitão/tenente do navio, Fletcher Christian, tomou o comando da embarcação, deixando William Bligh e os tripulantes que não concordaram com os amotinados à deriva em uma pequena barca no oceano Pacífico. Surpreendentemente, após uma série de dificuldades, os homens abandonados conseguiram sobreviver e retornar à Inglaterra.

No romance de John Boyne, que utiliza a história do motim do Bounty como enredo principal, o leitor é apresentado ao órfão de 14 anos John Jacob Turnstile que, após sofrer muitos abusos no orfanato em que vivia e realizar roubos pelas ruas de Portsmouth, é condenado a muitos anos de prisão. Porém, a vítima de seu último delito propõe que a pena seja cumprida de outra forma: John Jacob deveria embarcar na próxima missão do HMS Bounty e se tornar o novo criado do capitão William Bligh. Não muito empolgado com a sugestão, mas decidido a não ir para a cadeia, John Jacob aceita a proposta e terá a sua vida mudada.

A partir da visão do adolescente, o leitor tem acesso ao universo do Bounty - marcado pela hierarquia da tripulação e os costumes e superstições dos homens do mar - à estadia dos marujos no Taiti e ao fatídico dia em abril de 1789 quando a embarcação e seus tripulantes entraram para a história e se transformaram em inspiração para muitas obras de aventuras marítimas na literatura e no cinema.


Desde que ouvi falar em John Boyne e resolvi pesquisar sobre seus livros, "O garoto no convés" foi o primeiro a atrair a minha atenção, porém o quarto trabalho do autor com que eu tive contato. Devo confessar que, apesar de ter gostado muito da leitura, a experiência foi um pouco exaustiva em alguns momentos.

Narrado em primeira pessoa pelo próprio John Jacob Turnstile, porém anos depois de suas aventuras à bordo do Bounty, o livro é dividido em cinco partes - duas das quais ambientadas completamente em alto mar - que acompanham os acontecimentos desde a prisão do protagonista, passando por sua viagem até o Taiti e o motim até, finalmente, o retorno à Inglaterra. Logo nas primeiras linhas o leitor já consegue ter uma ideia do tom marcado por humor e ironia que será utilizado por Turnstile ao contar a sua história, o que torna o personagem bastante cativante e de fácil identificação.

John Jacob é um jovem esperto e bastante corajoso, porém não sabe disso quando a história tem início, pois se encontra em estado de fragilidade decorrente dos anos de abuso que sofreu nas mãos do detestável sr. Lewis, o dono do estabelecimento em que vive. É emocionante acompanhar as descobertas e o amadurecimento do protagonista, que quando embarca na missão rumo ao Taiti é apenas um rapazinho assustado, mas que se transforma em um homem forte após enfrentar muitas adversidades no Bounty e no mar ao longo de dois anos.

Em sua narrativa, o rapaz (ou o próprio John Boyne, que se coloca no lugar de seu protagonista) consegue reproduzir a atmosfera dos acontecimentos que viveu e dos cenários que conheceu, fazendo com que seja muito simples para o leitor se inserir naquele contexto. Com descrições precisas, mas nada excessivas, Turnstile nos coloca à bordo do Bounty, onde assistimos de camarote o desenrolar da missão do capitão Bligh e de sua relação tempestuosa com os demais tripulantes da embarcação, incluindo o imediato Fletcher Christian. Também somos apresentados a algumas superstições náuticas - como o sacrifício ao Rei Netuno quando uma embarcação chega à linha do Equador - e à hierarquia de um navio, que faz com que o protagonista sofra até que consiga se ajustar.

Na história real, não é possível definir quem é o herói e quem é o vilão quando falamos de William Bligh e Fletcher Christian, pois tudo é uma questão de perspectiva. Porém, para o leitor de "O garoto no convés" fica clara a decisão de John Boyne em transformar Bligh, através dos olhos de John Jacob, no grande herói da aventura. Mesmo que muitas vezes se mostre como um indivíduo temperamental, dado à bruscas mudanças de humor, William Bligh é um indivíduo que preza pela honra e que tem como principal objetivo concluir a sua missão com sucesso e levar seus homens de volta para casa em segurança. Enquanto o capitão se mostra rígido e sério com a tripulação em diversos momentos, é inegável o carinho que ele dirige ao protagonista, se transformando num tipo de figura paterna para o órfão. A relação entre Bligh e Turnstile, marcada pelo companheirismo e lealdade, é, provavelmente, o aspecto de que mais gostei em todo o livro. Em contrapartida, o rapaz não poupa palavras quando quer criticar o sr. Christian, muitas vezes se incomodando com o fato de o oficial ser muito engomadinho, passando a maior parte do tempo verificando se as unhas estão limpas e se os cabelos estão bem penteados. John Jacob chega, inclusive, a chamar Fletcher Christian de vilão!

É interessante mencionar que o autor teve acesso à diversos livros sobre o motim do HMS Bounty que lhe serviram tanto de inspiração, quanto como forma de verificar a veracidade - na medida do possível - dos fatos que estava romanceando em sua história. Entre o material de pesquisa, que é citado pelo autor, estão o livro escrito por William Bligh junto com Edward Christian (irmão de Flecther Christian) a partir de seus diários de viagem e também transcrições dos processos relativos ao motim do Bounty.

Apesar da narrativa fluída na primeira parte, a leitura se tornou maçante em alguns trechos, principalmente na segunda metade do livro. Por se tratar de um romance de aventura marítima, obviamente, é de se esperar que boa parte do enredo se desenrole no mar e com "O garoto no convés" não é diferente, de forma que o autor se utiliza de várias páginas para descrever o - muitas vezes tedioso - cotidiano da tripulação do Bounty. A quarta parte, que narra os 48 dias à bordo da pequena barca à deriva no oceano, é narrada minuciosamente e separada por cada dia, como se fosse um diário. A estrutura funciona bem para criar e transmitir a atmosfera de angústia e desespero dos personagens, porém, a redução no ritmo da narrativa pode ser considerada um empecilho para aqueles que buscam algo mais dinâmico e com ação. 

Como curiosidade, achei bem interessante perceber que o fidalgo que sugere que John Jacob embarque no Bounty é Matthiew Zélla, o ladrão do tempo e protagonista do primeiro romance de John Boyne.

Para concluir, quero ressaltar que gostei bastante da leitura de "O garoto no convés", apesar de ter me incomodado um pouco com o ritmo. O livro, além de apresentar ao leitor um momento célebre na História, é também uma ótima aventura marítima narrada por um protagonista interessante e que se desenvolve com o virar das páginas. Leitura recomendada!

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