10 de dezembro de 2018

O Homem do Terno Marrom (Agatha Christie) | Coronel Race, livro #1

Publicado em 1924, O homem do terno marrom é um livro um pouco diferente de Agatha Christie. Na história, somos apresentados à Anne Beddingfeld, uma jovem à procura de mais emoções em sua vida e que, após a morte de seu pai, investe toda a sua herança na realização de seu sonho. 

Depois de presenciar um acidente fatal em uma estação de trem, seguido pela chegada de um sujeito intrigante em um terno marrom, Anne acaba envolvida em uma aventura cheia de perigos que a levará até a África do Sul em uma viagem de navio, onde muito da história ocorre. Ao que tudo indica, o caso da estação de trem tem ligação com o famoso "Coronel", o perigoso líder de uma quadrilha criminosa, cuja identidade real ninguém conhece.

É por meio da narrativa envolvente de Anne que acompanhamos o desenrolar da história e, claro, da investigação. Também temos a perspectiva de outro personagem, que ocorre por meio de trechos de seu diário. Gostei bastante desse recurso, pois senti que proporciona uma visão maior dos acontecimentos, além de de deixar a leitura mais intrigante e divertida. 

Os personagens também são bem legais e quero destacar três: Suzanne - adorei como ela se torna amiga de Anne e se envolve nas investigações -, Sir Edward - o senso de humor dele me fez dar risada alto e sozinha enquanto lia - e o coronel Race - que não é o Coronel criminoso da história, mas um agente do serviço secreto britânico. Ele é um personagem recorrente em outros livros da autora e foi em O homem do terno marrom que fez a sua estreia. Gostei de poder conhecê-lo pelos olhos de Anne e fiquei curiosa para ler mais histórias com o personagem.

Por ser uma releitura, fiquei bastante surpresa com essa segunda experiência com a história, já que parece um livro completamente diferente do que li em 2015. E isso me fez pensar mais uma vez no quanto o momento certo é essencial e precisa ser sempre levado em consideração. Lembro de ter achado o livro bem sem graça, o que me fez considerá-lo uma das minhas maiores decepções naquele ano. Dessa vez, tenho certeza de que O homem do terno marrom foi um dos melhores que li em 2018. Ainda que o mistério não seja o mais engenhoso (basta prestar atenção para descobrir tudo antes da revelação), a leitura vale pela história e, principalmente pelos personagens. Anne é uma excelente heroína e fico triste por saber que esse foi o único livro com ela. Seria bem legal poder acompanhar mais de suas aventuras. Também senti que experiência foi bastante visual. Agatha nos faz viajar até a Cidade do Cabo junto com Anne e, junto com ela, ficamos encantados pelos cenários. É uma delícia poder sair um pouco de Londres e das casas de campo. Adorei esse lado mais aventureiro/explorador da autora.

Por fim, acho que dá pra dizer que O homem do terno marrom, mesmo trazendo vários dos elementos marcantes das histórias de Agatha, é mais um livro de espionagem do que de detetive. É também uma mistura de várias coisas: tem aventura, tem mistério, tem humor, tem romance, tem confusão mirabolante e nem tudo é exatamente o que parece. Leitura recomendada! 

26 de novembro de 2018

A Redoma de Vidro (Sylvia Plath)

Depois de anos colocando A Redoma de Vidro na minha TBR apenas para chegar ao fim de doze meses sem sequer ter olhado para o livro na estante, finalmente posso dizer que li. Já tinha escutado muitos elogios à obra, que sempre aparece naquelas listas de melhores-livros-de-todos-os-tempos-que-você-precisa-ler, e como já esperava, contrariei meus próprios conselhos e criei expectativas. Algo me dizia que eu iria amar essa leitura e eu não podia conceber a ideia de estar enganada. Felizmente, não estava e esse livro é mesmo tudo isso que as pessoas dizem. Amei muito e se tornou facilmente um dos meus livros preferidos.

O livro foi publicado em 1963, pouco tempo antes de Sylvia Plath cometer suicídio, e tem um teor bastante autobiográfico. Conhecemos Esther Greenwood, uma jovem universitária que parece estar vivendo o melhor momento de sua vida; após entrar em uma univeridade de prestígio, ela consegue um estágio de verão em Nova Iorque, onde irá trabalhar em uma revista feminina. Tudo parece perfeito: ela tem amigos, frequenta os melhores lugares, está sempre em contato com cultura e, de forma geral, as possibilidades para o seu futuro parecem infinitas.

Porém, essa realidade de sonhos logo se torna um pesadelo, no qual Esther se afunda, aos poucos, em uma depressão. O fato de a história ser narrada pela própria protagonista torna tudo mais próximo, real e angustiante. É desesperador perceber como uma pessoa vai lentamente sendo consumida por uma doença que não era diagnosticada corretamente e nem tinha um tratamento apropriado. O sentimento aumenta ao considerarmos o que aconteceu com a autora.

Ao lado de O apanhador no campo de centeio, o livro é considerado importante por abordar a adolescência como uma fase de transição para a vida adulta - repleta de transformações, dores, dificuldades e experiências que resultarão no amadurecimento do protagonista- e é possível observar algumas semelhanças. Esther e Holden Caulfield têm o mesmo jeito crítico de observar as situações e as pessoas ao seu redor, tecendo comentários ácidos; e ambos enfrentam um colapso.

Porém, mais de uma década separa as obras e sinto que Sylvia Plath abordou a saúde mental de forma muito mais direta, tocando também na situação delicada que jovens mulheres viviam naquela época, pouco antes das revoluções culturais e sociais do fim dos anos 1960. Eram jovens que enfrentavam a difícil (e injusta) escolha entre suas famílias e suas carreiras. Não era possível ter as duas coisas e essa percepção, resultado de imposição social e repressão, inegavelmente trouxe traumas. O que mais me surpreendeu foi perceber o quanto a leitura permanece atual. Mesmo que hoje encontremos mais abertura para falar sobre saúde mental, ainda não falamos o suficiente e muita gente sequer consegue enxergar o quanto ela é negligenciada.

Cinquenta e cinco anos depois, A Redoma de Vidro permanece uma leitura relevante e necessária. Recomendo para todos, mas acho importante alertar que o livro pode causar desconforto. Como mencionei, é uma leitura angustiante e, talvez, seja um gatilho para algumas pessoas. Assim, meu conselho é guardar a leitura para um momento em que você esteja bem. Ler é sempre importante, mas mais importante ainda é a nossa saúde, combinado?

31 de julho de 2018

Letra & Música: As Garotas

 

Já faz quase um mês desde que concluí a leitura de As Garotas, de Emma Cline, porém sinto como se tivesse me despedido ontem. A minha experiência com o livro foi tão imersiva que ao longo de semanas me sentia meio deslocada da realidade, tentando conciliar os pensamentos do mundo real com todas as sensações proporcionadas pela história. As Garotas é um livro que consegue ser suave e tenso ao mesmo tempo, envolvendo o leitor em uma atmosfera muito particular. Ao virar as páginas, era como se estivesse assistindo a um filme com fotografia meio onírica. 

Fortemente inspirado no culto de Charles Manson, o livro tem início no tempo presente e nos apresenta à Evie Boyd, que narra os acontecimentos de sua adolescência durante o verão de 1969, nos Estados Unidos. Após o divórcio dos pais e um desentendimento com uma amiga, Evie acaba conhecendo um grupo de garotas que lhe despertam fascínio e com as quais passa a conviver. Elas fazem parte de um culto e desde o início, o leitor já sabe que a história não irá acabar bem. Durante toda a leitura, é possível sentir um misto de angústia e melancolia e o que prevalece é uma sensação de perda. A perda do tempo. A perda do que foi. A perda do que poderia ter sido.

Como a leitura foi uma experiência bastante visual, não demorou muito para que o meu cérebro começasse a associar os elementos deste sentido com outros, criando cenas e adicionando trilhas sonoras. Logo percebi que a estética do livro combina muito com a da Lana Del Rey, uma das minhas cantoras preferidas. Não só porque os vídeos de suas músicas costumam trazer a tal da fotografia onírica que mencionei no início do texto, mas também porque algumas de suas letras também tocam em temas que me remetem ao livro de Emma Cline. Assim, quando decidi trazer esta coluna de volta, sabia que teria que escolher uma das músicas de Lana e, por fim, acabei me decidindo: Gods & Monsters, do disco Born To Die: Paradise Edition, de 2012.

Na letra, o eu-lírico poderia ser Evie Boyd falando de seu passado, da sua experiência com o culto, de Suzanne, dos possíveis rumos que sua vida poderia ter seguido. Lana faz menção à uma terra de deuses e monstros e é possível imaginar o culto como este lugar, onde Evie, ainda cega por sua inocência, não é capaz de enxergar a real e monstruosa natureza de quem ali está e, por conta disso, os coloca em uma posição superior. É uma música sobre sentir um alerta, mas mesmo assim embarcar no perigo. Sobre perda da inocência, mas não necessariamente a perda de si.

24 de julho de 2018

Sobre reavaliar e abandonar metas de leitura | Vida de Leitora #14

Já estamos quase em agosto e não posso mais adiar: é uma verdade universalmente desconhecida que esta que vos escreve é incapaz de cumprir promessas literárias dentro de um prazo determinado. É disso mesmo que estou falando, do abandono das metas literárias estabelecidas no início do ano. Para ser justa e coerente, este é um comportamento que apresento todos os anos desde 2013, quando comecei a registrar a minha vida literária na internet e, consequentemente, me jogar em todo e qualquer desafio proposto durante os quentes e ensolarados dias de verão, quando tudo parece possível.

Contudo, com o passar das semanas, a chegada do frio e dos perrengues da vida, é inevitável que eu olhe para trás, para as promessas que fiz ao observar a minha estante, e perceba que uma reavaliação é necessária. Normalmente, sou bem sucinta: é, eu estava louca quando decidi ler esses livros e, obviamente, não vai dar mais tempo, então segue o baile, o importante é ser feliz #YOLO. Em 2018 não farei diferente. Como sei que jamais seria capaz de me forçar a ler algo que não queira unicamente pelo (des)prazer da leitura, resolvi que sim, alguns livros irão permanecer na estante por mais alguns meses ou anos e não há nada que eu possa fazer a respeito disso. Quando tiver que ser, será.

Não vou mentir, rola sim uma pequena frustração por abandonar desafios. Principalmente os mais simples, como seguir uma lista de leituras que despertam o meu interesse há anos e que eu tenho certeza de que irei amar conhecê-los. Mas a minha verdade, no momento, é a de que a minha realidade de leitura vem sofrendo alterações há dois anos e, por mais que eu continue apaixonada por literatura, pelos livros e pelo hábito de leitura, preciso me desprender da ilusão de que dou à eles o mesmo espaço que costumava dar. Pois não dou e não acho que isso vá mudar tão cedo. E tudo bem. Não sou mais ou menos leitora por isso, certo?

A pessoa que eu era em 2013 é bem diferente de quem sou em 2018 e isso é ótimo, a vida é assim mesmo. A gente muda, nossas responsabilidades mudam, assim como nossas prioridades e nossos interesses. Hoje a literatura, ainda que ocupe um lugar de destaque na minha vida, não é para onde direciono o foco na maior parte do tempo e, mesmo que isso me frustre um pouco, também me liberta. Depois de cinco anos tentando, sinto que já tenho conhecimento sobre mim o suficiente para concluir que não sou uma pessoa de metas literárias. É isso, não sou mais uma pessoa que lê todos os dias e, realmente, não sou uma pessoa que segue à risca as metas impostas no início do ano. Nunca fui e, provavelmente, nunca serei. E tudo bem.

O importante é sempre lembrar que a leitura deve ser sempre uma atividade que me traz alegria - além de mais um monte de outras coisas positivas - e para que isso aconteça, preciso também me lembrar de respeitar o meu momento de leitora e, principalmente, de escutar as minhas vontades literárias. Preciso parar de complicar aquilo que não está aqui para ser complicado.

Em janeiro, publiquei no YouTube um vídeo mostrando os livros que gostaria de ler em 2018. Até o momento, li apenas dois (Memórias da Princesa - Os diários de Carrie Fisher e As Garotas). Outros dois foram abandonados (Momo e A Redoma de Vidro), pois apesar de interessantes, certamente não estavam me agradando o suficiente para que eu persistisse na leitura. O que não quer dizer que não possa vir a amar essas histórias no futuro, quando sentir que está na hora de tentar mais uma vez. Mal posso esperar. E até lá, lerei aquilo que sentir vontade ou aqueles livros que me chamarem.