9 de setembro de 2015

Androides sonham com ovelhas elétricas? (Philip K. Dick)

Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Philip K. Dick, foi publicado em 1968 e traz uma história ambientada no então futurístico ano de 1992. Após a Guerra Mundial Terminus, a Terra foi devastada e a maior parte da população migrou para outros planetas, como Marte, que são chamados de colônias. Aqueles que ficaram - divididos entre Normais e Especiais - vivem em meio a uma poeira radioativa que afeta seus genes, causando diversos problemas de saúde, entre eles, a infertilidade. Os Especiais são as pessoas que foram afetadas pela poeira e que, por isso, não podem deixar o planeta e vivem excluídos.

A poeira também é responsável pela extinção de praticamente toda a vida terrestre, de forma que animais se tornaram artigos de luxo, capazes de conferir status a quem os possuir. A tecnologia, já bastante avançada, permitiu a criação de androides com o intuito de realizar serviços nas colônias. Parte máquinas e parte materiais biológicos, os androides atingem a cada novo modelo um patamar de semelhança - física e intelectual - com os seres humanos, de forma que é quase impossível distinguir um do outro. A principal diferença se encontra na capacidade de sentir empatia, exclusividade dos seres humanos. Ao longo das décadas, androides cansados da servidão fugiram para a Terra com o intuito de viver em liberdade, porém, ao chegar são encontrados pelos caçadores de recompensa que os "aposentam". 

Logo no início, o leitor é apresentado a Rick Deckard, um caçador de recompensas que vive com sua esposa em San Francisco e que, desde que sua ovelha verdadeira morreu, tem como principal objetivo a obtenção de um novo animal verdadeiro, pois acredita que isto irá agregar mais significado à sua existência e elevará o status de sua família. Enquanto esse dia não chega, ele vive de aparências com uma ovelha elétrica. Tudo indica que sua vida irá melhorar quando recebe uma nova missão: aposentar seis androides Nexus-6 fugitivos e receber um excelente pagamento por isso. Ao mesmo tempo em que segue com a história de Rick, o enredo também nos leva à J. R. Isidore, um especial que teve o seu QI reduzido pela poeira e vive solitário em um prédio abandonado e dominado pelo "bagulho" até o dia em que conhece Pris, uma das Nexus-6 procuradas por Rick.

Por meio de uma narrativa envolvente e direta, Philip K. Dick conduz o leitor por uma série de reflexões existenciais ao mesmo tempo em que levanta questões sobre avanços tecnológicos e científicos e até onde estes levarão a humanidade. Ao longo de toda a leitura somos apresentados à ideias, concepções e contradições que nos fazem perguntar o que de fato faz com que um ser seja considerado humano. São muitos os trechos em que Deckard age e pensa como um ser inanimado, quase como uma máquina programada para desempenhar uma função. Há também os momentos em que os androides se comportam de maneira quase humana, demonstrando sentimentos e ambições, como a vontade de viver e a busca por emoções.

Além desta questão principal, o autor também aproveita para fazer críticas à sociedade de seu tempo por meio do comportamento e de aspectos típicos da realidade pós-apocalípita de sua história. É assustador perceber que o que era criticado nos anos 1960 ainda se faz relevante hoje, como a ideia de ter para ser. No romance, Deckard, com o intuito de conseguir status social, faz o possível para que seus vizinhos acreditem que a sua ovelha elétrica é verdadeira, pois seria vergonhoso admitir que não tem dinheiro para comprar um animal. É fácil perceber forma de pensamento semelhante nos dias atuais, marcados pelo consumismo exacerbado e o exibicionismo em redes sociais. 

A ideia de escapismo - também bastante atual - é abordada na obra de duas formas: pela indução de sensações e pela religião. É possível observar que na sociedade criada por K. Dick há um certo vazio existencial e as pessoas, à procura de algum preenchimento espiritual, recorrem ao mercerismo - religião, na qual os adeptos fazem uma fusão por meio de um mecanismo chamado caixa de empatia. Nos dias em que está se sentindo triste, por exemplo, uma pessoa pode recorrer ao sintetizador de ânimo e em poucos minutos seu humor é alterado. E aqui encontramos mais semelhanças com a atualidade, quando muitas vezes nos anestesiamos para fugir da realidade.

De forma geral, gostei de Androides sonham com ovelhas elétricas?, porém não irei negar que senti estranhamento e dificuldade de imersão ao longo da leitura. Acredito que isso tenha ocorrido porque - ainda! - não estou acostumada com ficção científica, que é um gênero que exige tempo para que o leitor consiga se entregar completamente ao que está escrito nas páginas. Também senti falta de mais informações e/ou explicações acerca do mercerismo, um conceito complexo e interessante que não ficou tão claro (pelo menos para mim). Ainda assim, penso que foi uma leitura válida, que me fez sair da minha zona de conforto e levantou questões interessantes. Com certeza vou procurar outras obras do autor.