23 de junho de 2014

Juvenília (Jane Austen & Charlotte Brontë)

Juvenília, como a própria palavra define, reúne os escritos de Jane Austen e Charlotte Brontë produzidos quando as escritoras ainda eram muito jovens. Organizadas por Frances Beer, doutora em inglês pela Universidade de Toronto, as obras são apresentadas de forma cronológica e divididas entre suas autoras, que, ao contrário do que se imagina à primeira visa, tinham muito em comum.

A juvenília de Jane Austen foi composta entre os anos de 1787 e 1793 - quando a autora tinha entre 12 e 18 anos - , e Beer aponta para o fato de que a própria autora havia organizado sua produção em três volumes, como se pretendesse publicá-los em algum momento, pois muitas alterações e correções foram feitas nos textos. Em sua maioria, os textos de Jane Austen consistem em histórias curtas ou inacabadas, dedicadas a amigos e familiares, a quem ela costumava escrever como forma de entretenimento. Suas histórias abordam situações cotidianas como excursões ao campo, bailes e chás, acompanhadas de críticas menos aprofundadas à sociedade e à natureza humana.


"É impossível saber o que Austen rejeitou, mas, nos três volumes que decidiu manter, fez questão de dedicar pelo menos uma obra para o pai, a mãe e cada um dos irmãos, para sua melhor amiga e para duas de suas primas preferidas". (P.10)

Já os primeiros escritos de Charlotte Brontë, produzidos entre 1829 e 1839, não apresentam o mesmo processo de seleção e organização dos de Austen, o que resulta em um material com menos alterações posteriores mas, ao mesmo tempo, mais confuso. Beer explica que os textos de Charlotte Brontë publicados em Juvenília são apenas uma parte de tudo o que a autora escreveu. Seus escritos reúnem histórias sobre um reino fictício chamado Angria - que criou junto com Branwell, seu irmão -, que trazia um elaborado elenco de personagens: o protagonista Arthur Wellesley - gentil e romântico, mas que ao longo das histórias se transforma gradualmente em um conquistador de mulheres e poderoso guerreiro; Alexander Percy - o conde de Northangerland e maior inimigo de Arthur; e as muitas mulheres que cruzam o caminho do protagonista e que trazem características que evidenciam o amadurecimento da autora.

De uma forma geral, os escritos em Juvenília revelam processos criativos de experimentação que foram abandonados pelas autoras com o passar dos anos, ou aproveitados posteriormente em suas obras mais maduras. Em um período em que mulheres não tinham muito acesso à literatura popular - e muito menos à possibilidade de publicarem as suas próprias histórias - Austen e Brontë já apresentavam uma produção bastante fértil e que, ainda que não se mostrassem completamente maduras, permitem ao leitor perceber o quanto essas escritoras cresceram e aprimoraram suas técnicas até publicarem clássicos como Orgulho e Preconceito e Jane Eyre.

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Antes de tudo, preciso dizer o quanto me identifiquei com as versões mais jovens de Jane Austen e Charlotte Brontë.

É impressionante como Austen, aos 12 anos, já criticava e expunha ao ridículo suas personagens, sem tentar amenizar nada. À princípio, estranhei um pouco a sua produção, porque além de as histórias serem bem curtas, trazem aspectos burlescos e personagens unilaterais, sem muita profundidade. No primeiro volume de sua juvenília, a autora tinha como principal inspiração a crítica aos "romances lacrimosos" feitos na época, marcados por um excesso de sentimentalismo. Por isso, seus primeiros textos (como Jack e Alice e Amor e Amizade) focam principalmente nas falhas de caráter dos personagens e os expõe ao ridículo. Porém, por seus personagens serem a incorporação dos vícios que representam e não trazerem profundidade, não são muito críveis, logo, de difícil identificação. 

É interessante mencionar que, mesmo aprimorando muito a forma como desenvolvia suas personagens, Jane Austen, desde o princípio buscava criticar aspectos da sociedade por meio do humor e do ridículo. Em toda a sua obra é possível encontrar personagens com algum tipo de vício reinante: A Sr. Allen (A abadia de Northanger), o Sr. Palmer (Razão e Sensibilidade) e Sir Walter ("Persuasão"), por exemplo. Já mais para o fim de sua juvenília é que Jane começa a dar os ares de quem viria a se tornar uma das maiores escritoras inglesas.

Como Beer aponta na apresentação, é com As três irmãs que Austen começa a dar os seus primeiros passos em direção à Orgulho e Preconceito. Mesmo que muito do burlesco ainda apareça na obra, é possível reconhecer Jane e Elizabeth Bennet em Sophy e Georgiana. A história também está carregada de forte crítica social. Ao trazer uma família de moças com uma mãe viúva e de poucos recursos, as meninas precisam encarar a realidade de que uma delas terá que se casar com um homem detestável, mas rico, para que possam sobreviver e ser sustentadas.

Por fim, em Catherine, o último texto da juvenília de Jane Austen, somos apresentados àquela que traz os primeiros traços de uma heroína típica de Austen. Aqui, a autora traz Camilla - uma menina fútil, que não desenvolveu seu intelecto por meio da leitura e que se preocupa com frivolidades - em contraste com a protagonista, Catherine Percival (também chamada de Kitty), que adora passar seu tempo em um caramanchão, na companhia dos livros e sem fazer questão de participar dos eventos sociais e se opondo aos costumes da época.

"Kitty, ao contrário de Camilla, é a primeira heroína perfeitamente construída de Austen, e ela sobrevive apesar de sua sociedade, e não graças a esta." (P.20).

Com Charlotte Brontë também ocorreu um estranhamento, mas estava mais relacionado as histórias e temas do que a escrita. Todos os escritos de sua produção quando jovem apresentados em Juvenília giram em torno do distante reino de Angria e de seu protagonista, Arthur Wellesley. O início de Angia foi inspirado pelas Mil e uma noites e traz elementos de magia e mitologia, com a presença de gênios que ajudam os cavaleiros/guerreiros europeus a derrotar o povo de uma ilha e tomá-la para si, chamando-a de Angria.

Arthur Wellesley é o filho do duque de Wellington e, a princípio, é um jovem encantador e romântico que ficou rico e famoso por escrever poesias à sua distante amada, Marian Hume, com quem vem a se casar depois de muitos anos, despertando o ciúme de Zanobia. E aí, pasmem, temos uma trama marcada por um triângulo amoroso e, pela primeira vez, começamos a ver que Arthur não é tão louvável. Após a partida do duque de Wellington, o protagonista se torna o novo líder de Angria e as histórias passam a girar em torno de sua rivalidade e batalhas com Alexander Percy, o conde de Northangerland.

Com o passar dos anos e com mais maturidade, Brontë começou a se afastar das histórias de batalha e aventura e focou mais nos relacionamentos entre Arthur e suas esposas. Ao fazer isso, não só foi capaz de mostrar um processo de degeneração de seu protagonista (mostrando assim o desenvolvimento de seu personagem), mas também ir, aos poucos, criando a sua heroína perfeita por meio das personalidades de suas personagens femininas. Há um amadurecimento enorme entre a bela, doce e frágil Marian Hume e Elizabeth Hastings que, além de resistir aos encantos de Arthur e Sir William, é responsável pelo próprio sustento, além de não trazer muita graciosidade - a personagem é muito parecida com Jane Eyre e, de certa forma, com a própria Charlotte Brontë. Elizabeth, assim como as heroínas de Brontë, preza por sua independência, mesmo que para isso, precise lidar com algum tipo de dor pessoal.
"Elizabeth Hastings é uma criação tão significativa para Brontë quanto Catherine Percival foi para Austen: ambas as heroínas mostram que suas autoras chegaram ao estágio final de seu desenvolvimento juvenil, refinaram e integraram seu senso moral e artístico e reconhecidamente estão no limiar de suas primeiras obras maduras". (P.32)
Ao fim da juvenília de Brontë, a sensação que fica é a de que, aos poucos ela foi se afastando do mundo fantasioso de Angria, procurando escrever histórias com temas mais realistas e próximos de suas experiências. Não há como negar que ambas as autoras, Austen e Brontë, foram influenciadas pelo meio em que cresceram e viveram. Da mesma forma que Austen, que veio de uma família numerosa e harmoniosa que vivia em meio a carinho e alegria, escreveu sobre a sua realidade - bailes, chás, passeios no campo, casamentos - buscando criticar alguns aspectos dela, Brontë fez uso das dificuldades pelas quais passou quando criança e adolescente para criar as suas histórias.

Enquanto a principio, as histórias de Angria não passem de aventuras e romances, em seu capítulo final, Henry Hastings, Brontë consolida a já evidente degeneração de Arthur Wellesley - que, neste ponto da história, já não tinha tanto destaque - e foca na heroína Elizabeth Hastings, que além de ser à frente de seu tempo, tem uma relação com seu irmão, Henry, muito próxima da sua com Branwell.

Ao concluir a leitura de Juvenília, percebi que, de fato, Jane Austen e Charlotte Brontë tinham muito em comum, mesmo que seus passados e experiências fossem bastante diferentes. Como Beer aponta, ambas tiveram a morte por perto; enquanto Jane e sua irmã, Cassandra conseguiram escapar do tifo; Charlotte e seus irmãos, Branwell, Anne e Emily, perderam duas irmãs para a doença. É possível que essas situações tenham feito com que se aproximassem mais de suas irmãs e que este elo tenha refletido em suas obras por meio das relações entre Elinor e Marianne (Razão e Sensibilidade), Elizabeth e Jane (Orgulho e Preconceito) e Jane as irmãs River (Jane Eyre).

Mesmo que suas motivações para escrever, a princípio, fossem diferentes (Jane escrevia por diversão e Charlotte, por fuga), ambas não deixam de mostrar um forte descontentamento no que diz respeito a limitações impostas à suas heroínas pela sociedade. O tempo todo, em suas histórias, elas buscam desfechos que tragam algum tipo de dignidade e integridade às suas protagonistas, mesmo que seja dentro dos limites sociais do contexto histórico em que viviam.

20 de junho de 2014

Sobre procrastinar leituras | Vida de Leitora #04

Lembro de que quando estava na faculdade, uma das leituras mais recomendadas era a de Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. Não me lembro dos diferentes contextos das recomendações, mas é fato que pelo menos três professores disseram que a leitura era importante, já que estamos falando de uma das distopias mais influentes do século XX. Assim, fiz uma nota mental para não me esquecer de comprar o livro e descobrir o porquê de a obra de Huxley ser tão importante. Fiz a compra há três anos, me formei há dois e...até agora não li nem a primeira linha do livro.

E acontece que a situação descrita acima não é a única em minha vida. Sinceramente, não tenho noção da quantidade de livros que adquiri por conta de recomendações e que permaneceram intocáveis na minha estante. As brumas de AvalonAs ilusões perdidas e O Sol é para todos são só alguns dos títulos. Não preciso nem dizer que depois que comecei a escrever e a falar sobre as minhas leituras, o número de novas aquisições só aumentou, né? E o mais surpreendente em tudo isso é que meu interesse por essas histórias não sumiu. Morro de vontade de conhecer essas histórias e a minha ansiedade para lê-las fica ainda maior quando vejo um vídeo ou leio uma resenha de alguém que gostou muito dos livros e recomenda fortemente a experiência de leitura.

É então que me pergunto: qual é o meu problema? Por que não leio esses livros logo? Juro que não encontro resposta racional para essas perguntas, mas creio que tenha algo a ver com expectativas. A maioria dos livros que aguardam eternamente para serem lidos é formada por clássicos ou histórias aclamadas e amadas por muita gente. Tenho medo de me frustrar e, por isso, sempre que penso em ler algum deles, fico pensando se seria o "momento certo" para aquela leitura e sempre que opto por não ler, digo que é porque não era a hora. Mas, até que ponto o momento é errado e até que ponto sou eu interferindo nas minhas leituras por medo de uma possível frustração? Não sei. De verdade, não sei.

Como não pretendo abandonar o blog e/ou o canal, sei que recomendações de bons livros continuarão a ser feitas e, consequentemente, continuarei a acumular boas histórias não lidas em minha estante. E, naturalmente, continuarei a ter mais livros do que posso ler. No fim, quem acaba perdendo sou eu, óbvio. Porque tenho certeza que, mesmo com algumas frustrações pelo caminho, muitas dessas histórias irão me encantar e eu vou me arrepender profundamente pela demora em conhecê-las. E não há uma fórmula ou uma receita a seguir para solucionar este problema. O único jeito de saber se vou ou não gostar desses livros é lendo-os, certo? Então está aí mais uma meta literária para 2014: perder o medo de histórias aclamadas e amadas.


Texto originalmente publicado na coluna Literalmente Falando, do blog Literature-se.

16 de junho de 2014

Iluminadas (Lauren Beukes)

Iluminadas, de Lauren Beukes, mistura elementos de histórias policiais, de fantasia e de ficção - científica para apresentar ao leitor a história de Harper Curtis, um andarilho violento que vive na Chicago dos anos 1930, marcada pela crise econômica, Lei Seca, gângsters e cortiços. Certa noite, enquanto fugia da polícia, entrou em uma casa abandonada, que revelou uma peculiar propriedade: a de transportar quem ali entra pelo tempo.

Apesar da aparência exterior de abandono, o interior da casa é mobiliado e bastante aconchegante. Harper decide morar ali e passa chamar a nova residência de Casa. Estimulado por algum comando que parecia partir da Casa, Harper se transforma em um serial killer e passa a perseguir as chamadas "meninas iluminadas", garotas escolhidas meticulosamente e espalhadas por diferentes décadas. Com a possibilidade de viajar no tempo, Harper comete crimes impossíveis de serem solucionados ou conectados, saindo impune da cada uma das situações. Comete o crime perfeito em todas as vezes. Ou quase todas.

Kirby Mazrachi, uma jovem estudante de jornalismo, vive na Chicago dos anos 1990 e poderia ser considerada uma garota comum, não fosse pelo fato de que era uma das "meninas ilumidadas" de Harper e sobrevivera ao seu ataque. Após quase perder a vida de forma grotesca e marcada por muitas cicatrizes físicas e emocionais, Kirby desiste de esperar que a polícia encontre o homem que a atacou. Ao conseguir um estágio no Chicago Sun-Times como estagiária do ex-repórter policial Dan Velasquez, Kirby passa a procurar por crimes semelhantes àquele do qual foi vítima no arquivo do jornal e, aos poucos, começa a se convencer de que sobreviveu ao ataque de um serial killer. Mas quanto mais ela investiga, mais se convence de que diante de algo impossível.

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No momento em que li a sinopse, já sabia que tinha que ler Iluminadas. Livro policial com viagem no tempo? I'm sold! A proposta de misturar elementos de diferentes gêneros resultou em um thriller bastante envolvente e difícil de abandonar, pois tudo é muito intrigante.

A narrativa, feita em terceira pessoa, é dividida entre os pontos de vista de Harper, de suas vítimas - com maior destaque para Kirby -, do jornalista Dan Velasquez e de um viciado em drogas. Cada um desses personagens dá título a um ou mais capítulos, que aparecem acompanhados pela data em que os fatos ocorrem. Apesar da narrativa de Harper ser linear, os crimes que ele comete não são. Ou seja, o leitor começa a história nos anos 1930, vai até os 1980, volta para os 1950, e por aí vai. As narrativas de Kirby e Dan também são lineares, mas por vezes apresentam flashbacks, mostrando o passado deles, e flashforwards, mostrado o futuro. Os capítulos são intercalados entre as perspectivas dos personagens, permitindo ao leitor acompanhar de forma paralela os crimes de Harper e as investigações de Kirby. Pode parecer um pouco confuso à princípio, mas conforme a leitura vai avançando, o leitor se acostuma e entra no ritmo da história. 

No que diz respeito ao desenvolvimento do enredo, Lauren Beukes peca em alguns aspectos. Um deles é a falta de profundidade das vítimas de Harper. Com exceção de Kirby, todas são apresentadas brevemente, o leitor tem conhecimento superficial de quem são, o que fazem e, pronto!, elas morrem. Não dá tempo de conhecê-las, entender suas motivações e de sofrer com suas mortes. Por mais grotescos que sejam os procedimentos de Harper, não consegui sentir nada em relação às suas vítimas; com a exceção de Kirby, como já foi mencionado.

Há também o romance entre Kirby e Dan. Enquanto o leitor tem a visão de Dan do que está acontecendo, nada é apresentado em relação à Kirby, de forma que fica tudo meio abrupto quando começa a acontecer, o que torna a situação meio difícil de acreditar. Fiquei na dúvida se era necessário inserir um romance na história, porque, no fundo, não acrescentou nada ao desenvolvimento do enredo.

A investigação começa bem, mas em alguns momentos mais para o final, não é muito explorada. De modo que o leitor sabe que Kirby fez descobertas, mas não entende muito bem a linha de raciocínio dela. Não chega a ser algo completamente negativo, mas pode incomodar quem for mais detalhista. Aliás, é válido mencionar que este não é um livro que traz explicações para tudo. As investigações são concluídas, descobrimos o porquê de muitos acontecimentos, mas é importante ter em mente que algumas questões, como a viagem no tempo, não serão explicadas. Mais uma vez: não é algo que atrapalhe a leitura, mas pode incomodar algumas pessoas. 

De uma forma geral, gostei da leitura pois a achei bastante instigante. É um livro policial bastante inusitado e diferente de tudo o que já li. O fato de ter o ponto de vista do assassino também foi bem interessante, pois não me lembro de ter lido algum livro policial que me apresentasse esse tipo de perspectiva. Também não me incomodei com o fato de não encontrar explicações para tudo, porque o que prevaleceu foi uma atmosfera de mistério que me permite criar teorias. Ainda que de forma sutil, o livro traz aspectos de romance histórico; por meio das narrativas das vítimas, podemos ter um panorama geral na época em que viviam. Gosto quando livros me permitem visitar o passado e conhecer locais e períodos diferentes. Leitura recomendada para quem gosta de thrillers e se interessa por histórias de viagem no tempo e/ou de serial killers.

4 de junho de 2014

Eleanor & Park (Rainbow Rowell)

 Ambientado em 1986, Eleanor & Park traz a história de dois adolescentes deslocados que, inusitadamente iniciam um relacionamento e se apaixonam. Eleanor, aos 16 anos, vive em um lar desestruturado: seu padrasto - um homem de temperamento explosivo e bastante violento - transforma a vida de todos os residentes da pequena casa em um inferno marcado por muito abuso, violência e brigas. Sua mãe, já acostumada a ser maltratada, não faz nada que contrarie as vontades de seu marido. Dessa forma, todos ali vivem em constante estado de medo, com exceção de Eleanor que, além de não temer Richie, já pagou caro por tê-lo contrariado.


Além dos problemas em casa, Eleanor sofre bullying na escola por conta de sua aparência. Por ser alta, grande e ruiva, a garota chama muita atenção para si e por conta da situação econômica precária de sua família, suas roupas são sempre de segunda mão e, muitas vezes, masculinas. Como resultado, ela é vista como a "garota esquisita" da escola. Um dia - o primeiro em sua nova escola -, ao entrar no ônibus, acaba sentando ao lado de Park mais por falta de opção do que por escolha, e daquele dia em diante, passou a se sentar ao lado dele no ônibus todos os dias.

Park, ao contrário de Eleanor, vem de um lar bem estruturado, com pais presentes e um irmão mais novo. Ainda assim, sempre se sentiu deslocado por ser de origem coreana por parte de mãe e também por gostar de coisas que ninguém parece gostar, como o rock alternativo da época (The Smiths e Alphaville, por exemplo) e quadrinhos dos X-Men. Aos poucos, Eleanor e Park, por meio das músicas e dos quadrinhos, se aproximam e se apaixonam.

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Não há como negar: Eleanor & Park é um livro nostálgico e muito fofo. Apesar do enredo ser bastante comum, a forma como Rainbow Rowell escolheu abordá-lo fez toda a diferença. É uma delícia acompanhar os dois adolescentes enquanto se conhecem e se apaixonam. Além dos personagens cativantes, o livro prende o leitor por conta da ambientação nos anos 1980 e suas muitas referências àquela época. É possível dizer que Eleanor & Park tem uma trilha sonora e que esta é marcada principalmente por músicas dos Smiths e do U2. Durante toda a leitura foi impossível não sentir uma nostalgia em relação a um período que não vivi.

Ainda no campo das referências, preciso fazer a menção à duas relacionadas a livros. O livro preferido de Eleanor é O apanhador no campo de centeio e eu achei isso incrível, porque assim como Holden - e muitos de nós na adolescência -, ela parece viver sempre em conflito e sem saber muito bem o que fazer com a sua vida. A personagem gosta muito de ler e, em determinado ponto da história, faz uma análise de Romeu e Julieta que me fez repensar tudo o que penso sobre o clássico de Shakespeare. 

Gostei também da forma como Rainbow Rowell (gente, que nome fofo!) retratou as cenas na casa de Eleanor. Percebi que em alguns momentos, eu ficava tensa e torcendo para que o padrasto da Eleanor não aparecesse quando ela estava escutando as fitas gravadas por Park, ou lendo os quadrinhos que ele emprestou. Por mais que a história seja ambientada no mundo real, é impossível não passar a enxergar Richie como um vilão; e, neste caso, bem mais assustador do que aqueles em livros de fantasia.

Ainda assim, apesar dos aspectos positivos já apontados, não consegui me sentir completamente conectada à história; pelo menos não até o final. Quando comecei a leitura, não queria parar de ler, porém, sinto que na metade do livro a narrativa foi perdendo ritmo, como se a autora não soubesse o que escrever ou como desenvolver algumas coisas. A partir desse ponto a leitura ficou arrastada e comecei a ficar mais desesperada para terminar o livro do que para saber como a história ia acabar. A narrativa feita em terceira pessoa é dividida em capítulos e estes são divididos entre as perspectivas ora de Park, ora de Eleanor. O recurso funcionou bem em alguns momentos, mas em outros apenas me irritou; foi o caso de situações quando ambos descreviam a mesma situação mudando apenas o ponto-de-vista.

Ao chegar ao fim, gostei do desfecho escolhido, mas não pude deixar de lamentar o fato de que algumas coisas que levaram a esse desfecho foram abordadas muito superficialmente. Chegar a esta constatação me deixou um tanto chateada, já que queria muito amar esse livro e não encontrar nenhum defeito.

Vale ressaltar que esta é a minha opinião e ela pode ter sido afetada tanto por expectativas (juro que tento não criá-las, mas às vezes é inevitável), quanto pelo momento. Para concluir, digo que mesmo sem ter amado o livro, acredito que ele deva agradar àqueles que gostam de livros de YA contemporâneo como os de John Green.