28 de maio de 2014

O Inimigo Secreto (Agatha Christie) | Tommy & Tuppence, livro #1

Ambientado na Inglaterra do pós - Primeira Guerra Mundial, em um contexto de crise econômica, O inimigo secreto traz a história de Thomas Baresford (Tommy) e Prudence Cowley (Tuppence), dois jovens desempregados e sem perspectiva de um futuro melhor. Cansados dessa vida, os dois decidem ser mais aventureiros e iniciam uma empresa nada convencional de investigações.

No primeiro caso - a serviço extraoficial para o governo britânico - os dois tem que encontrar Jane Finn, uma jovem órfã americana que desapareceu após embarcar em um navio rumo à Paris que naufragou em 1915. Acredita-se que ela estava de posse de documentos secretos que, após a guerra, poderiam comprometer o governo inglês e seus aliados. Dessa forma, é imprescindível que Tommy e Tuppence descubram o paradeiro de Jane e o que ela teria feito com os documentos. E tudo precisa ser feito de forma bastante discreta, de forma que não seja possível que grupos revolucionários tenham conhecimento da existência de tais documentos, que poderiam ser utilizados em uma greve geral.

Conforme as investigações começam a avançar, Tommy e Tuppence percebem que não estão sozinhos em sua busca por Jane Finn; o misterioso e perigoso Sr. Brown - o homem mais temido do submundo do crime, um grande mestre do disfarce com capacidade de aparecer e desaparecer sem deixar vestígios - também tem interesse nos documentos e fará uso de raptos, perseguições e até assassinatos para conseguir o que quer.
***

Confesso que estava bastante curiosa em relação a esse livro. Até então, só conhecia Poirot e Miss Marple e não via a hora de poder ter meu primeiro contato com Tommy e Tuppence. E esse primeiro encontro foi um tanto...agridoce. Calma, já explico.

Gostei muito dos dois protagonistas, principalmente de Tuppence que é, definitivamente, uma moça à frente de seu tempo! Cheia de iniciativa e sem se deixar intimidar por homens, Tuppence sabe o que quer e faz o possível para conseguir solucionar o caso. Tommy também não fica atrás; é bastante adorável, um cavalheiro e é impossível não sentir pena dele por sua situação financeira. Ele também rende alguns momentos de humor quando faz uso de sua língua afiada para escapar de situações muito perigosas.

Logo no início, o leitor é informado de que os dois se conhecem desde quando eram crianças e é inevitável não esperar por um romance, pois os dois formam um excelente casal. Felizmente, Agatha Christie fez tudo de uma forma bastante sutil e natural, o que, de maneira alguma, atrapalha o ritmo da investigação. Além dos personagens cativantes, o livro também traz uma forma bastante peculiar de investigação utilizada pelos detetives em questão. Ao contrário de Poirot, um detetive profissional que faz uso de um método mais convencional, Tommy e Tuppence são bastante amadores, o que acaba por ser tanto cômico, quanto perigoso, pois, a princípio, eles não sabem com quem estão lidando.

Quanto ao caso em si, não irei mentir. Consegui prever alguns acontecimentos e até um dos plot twists da história, mas errei no que diz respeito ao Sr. Brown. Apesar de o mistério ter sido bem construído, não consegui me envolver muito na história; não sei se foi o caso ou a narrativa, que achei bastante enfadonha em alguns momentos. O fato de não ter um assassinato como ponto de partida também foi algo que estranhei no começo, já que estou acostumada com os livros da autora que giram em torno da investigação da morte de alguém. 

De uma forma geral, gostei de O inimigo secreto mais por seus protagonistas do que pelo lado policial da história. Ainda assim, recomendo a leitura para aqueles que, como eu, adoram Agatha Christie. 

23 de maio de 2014

A Filha do Louco (Megan Shepherd) | The Madman's Daughter, livro #1

 Ambientado na Londres do século XIX, A filha do louco, de Megan Shepherd, apresenta o leitor à Juliet Moreau, uma jovem de 16 anos que, após um escândalo envolvendo seu pai - o famoso e importante Dr. Moreau -, teve a sua vida alterada completamente. Após graves acusações, o Dr. Moreau perdeu o direito de exercer a medicina e desapareceu, deixando para trás sua esposa e a pequena Juliet que, na época, tinha apenas dez anos.

Seis anos depois, Juliet é uma órfã sem dinheiro algum e que sobrevive como faxineira e arrumadeira de um laboratório da faculdade de medicina. Em meio a muitas humilhações - incluindo assédio sexual e tentativas de estupro -, Juliet tenta esquecer os rumores acerca de seu pai e das possíveis atrocidades que ele possa ter cometido, ao mesmo tempo em que demonstra bastante interesse e conhecimento em medicina.

Quando a sua vida parece ter atingido um ponto sem esperança alguma, ela acidentalmente reencontra Montgomery, um rapaz de 18 anos que costumava trabalhar como assistente de seu pai. Intrigada com súbito aparecimento de Montgomery e seu estranho criado e, mais ainda, com um mapa anatômico que apareceu na faculdade de medicina, Juliet resolve investigar; e descobre que o Dr. Moreau ainda vive e está exilado em uma ilha tropical bastante remota e exótica, onde realiza estranhas experiências.

Cheia de dúvida, curiosidade e certeza de que nada tem em Londres, Juliet resolve embarcar junto com Montgomery em um barco rumo à ilha em que seu pai vive. No meio da viagem, a tripulação encontra Edward, um náufrago à beira da morte que acaba sendo resgatado e levado para a ilha também.

***

Antes de contar o que achei, é preciso mencionar que A filha do louco é o primeiro livro de uma trilogia que pretende dialogar com três clássicos da ficção-científica: A ilha do Dr. Moreau, de H.G. Wells; O médico e o monstro, de Robert L. Stevenson; e Frankenstein, de Mary Shelley.

No primeiro volume, Megan Shepherd dialoga com o livro de H.G. Wells e nos apresenta os mesmos - ou quase isso - personagens, porém com algumas sutis diferenças. A ideia é bastante criativa e a história é bastante envolvente. Durante toda a narrativa, a autora conseguiu criar uma atmosfera de mistério e suspense, ao mesmo tempo em que realizou ótimas descrições de ambientes. O leitor se sente, de fato, dentro da ilha.

Porém, tenho algumas ressalvas a fazer. Ainda que tenha gostado das descrições de ambiente, acho que a autora pecou muito nas descrições de cenas, que tornam a narrativa meio enrolada. Durante toda a leitura, o leitor depara com coisas do tipo:

[diálogo simulado]
- Você gostaria de tomar chá? - Ele me perguntou enquanto segurava o bule e apontava para a xícara com o olhar.
- Sim, eu adoraria. - Respondi enquanto o observava colocar o chá em minha xícara e depois entregando-a em minhas mãos. A água fervia, assoprei, na esperança de que esfriasse.

Não me lembro de um diálogo exatamente assim, mas o que quis mostrar é que, nessa história, descrições de cenas assim são completamente desnecessárias, pois não parecem acrescentar nada. Seria muito mais prático se autora simplesmente dissesse que os personagens estavam tomando chá, oras. Quando isso ocorre uma vez não incomoda; o problema é que lá pela metade do livro, tudo fica meio monótono e a narrativa fica marcada por ações triviais como olhar pela janela e beber uma xícara de chá; todas detalhadas nos mínimos detalhes, como se o leitor não soubesse como é que as pessoas bebem chá.

Outro ponto sobre a narrativa que merece atenção é o fato de que ela é realizada em primeira pessoa por Juliet. Eu, particularmente, não me incomodo muito com narrativas em primeira pessoa...exceto quando estamos falando de um livro YA com protagonista feminina. E aqui, mais uma vez, o leitor é forçado a acompanhar os pensamentos chatos e completamente incoerentes de uma personagem adolescente. Então, sim, Juliet, a princípio se mostra uma jovem bastante independente e capaz de sobreviver sozinha às crueldades de uma cidade como Londres, porém, é só ela chegar na ilha que muda completamente e se transforma em uma garota frágil que passa a maior parte do tempo pensando em rapazes.

O que me leva a mais um ponto negativo: o triângulo amoroso. Não que o triângulo fosse completamente incoerente; muito pelo contrário, até que fez sentido, se considerarmos o contexto da história. Porém, quando estou lendo sobre uma ilha exótica habitada por um médico estranho que pratica experiências bizarras, a última coisa que quero é acompanhar os "mimimis" de uma adolescente que parece viver em função de seus hormônios. Tudo bem ela ficar em dúvida, afinal está descobrindo seus sentimentos; o problema é que não dá para levar a protagonista à sério em boa parte do livro. Imagine você na selva, no meio da noite, fugindo de um monstro. O que você faria? Eu tentaria me esconder e salvar a minha vida. Juliet prefere ficar parada e olhar para os músculos do boy. Quer dizer, é tudo uma questão de prioridades, né? 

Ainda assim, com todos esses aspectos que me incomodaram profundamente, gostei da história. Acho que é preciso levar em consideração o fato de que este foi o primeiro livro da autora e relevar algumas coisas. Como ando numa fase sem paciência para séries/trilogias YA, é possível que tenha me irritado mais do que o normal. E o final do livro foi realmente muito legal e inesperado: com plot twist e cliffhanger, o que me deixou bastante motivada a continuar a série. O segundo livro já foi publicado lá fora, mas ainda não soube de nada a respeito da publicação aqui no Brasil.

Ah, e vale também mencionar que o livro faz referência a várias peças de Shakespeare. Consigo me lembrar de cinco: A TempestadeNoite de ReisEduardo IIISonho de uma noite de verão e Júlio César.

Para concluir o texto, digo que pretendo continuar com a trilogia e que a recomendo (pelo menos o primeiro livro) àqueles que se interessaram pela trama, que gostam de aventuras com um quê de suspense e terror e que não se incomodam com clichês de romances adolescentes.

17 de maio de 2014

A culpa é das estrelas (John Green)

Quando tinha 13 anos, Hazel Grace foi diagnosticada com um câncer terminal na tireoide que evoluiu para uma metástase pulmonar; após três anos em tratamento com uma droga revolucionária, o estágio da doença estagnou e Hazel, prestes a completar 16 anos, tendo que andar com um cilindro de oxigênio e uma cânula no nariz, está conformada com a sua situação. Sua mãe, a Sra. Lancaster, por sua vez, não aceita que a filha passe os dias trancada em casa, apenas lendo e assistindo America's Next Top Model, ao invés de socializar com outras pessoas e, de certa forma, aproveitar os dias que tem.

Dessa forma, por insistência de sua mãe, Hazel começa a frequentar um grupo de apoio à crianças com câncer. Em um dos encontros semanais, ela conhece Augustus Waters, ou Gus, um rapaz de 17 anos que, após perder uma perna para o osteosarcoma (câncer nos ossos), se considera um sobrevivente. Hazel e Gus, que logo se tornam próximos, são muito parecidos; ambos tem muito senso de humor e preferem fazer piadas a respeito do câncer a se renderem à doença. 

Apesar da situação que vivem, os dois tentam viver a vida como qualquer adolescente: assistem a filmes, passam horas ao telefone, jogam video game e gostam bastante de ler. Hazel é completamente obcecada por Uma aflição imperial, de Peter Van Houten, um escritor americano de origem holandesa que, depois da publicação de seu romance, se tornou um homem muito recluso e se mudou para a Holanda. O livro termina de forma abrupta, o que deixa Hazel inconformada, criando inúmeras possibilidades para o desfecho da história. Após apresentar a obra a Augustus, os dois passam a se corresponder com o autor com a esperança de descobrir o destino dos personagens.

***

Todo mundo já conhece, já leu ou já falou sobre A culpa é das estrelas, de John Green, inclusive eu, lá em meados de 2012, quando realizei a leitura do mesmo. O livro foi um sucesso de vendas e, devido à sua popularidade, ganhou até um filme que chega por aqui no dia 5 de junho. Como na época em que o livro foi lançado não consegui compreender tanto amor pela obra, resolvi que, antes de ir conferir o filme, iria reencontrar Hazel e Gus para ver se a minha opinião mudaria. E mudou.

A verdade é que, naquela época, não estava familiarizada com o estilo de John Green, criei enormes e absurdas expectativas sobre o livro e encarava o monstro do TCC, o que me impossibilitou de ler qualquer coisa que estivesse nas entrelinhas de A culpa das estrelas, qualquer coisa que fosse além da história de amor entre dois adolescentes com câncer. Durante a minha releitura, percebi que me lembrava de vários dos fatos da história mas quase não recordava nenhuma das reflexões dos personagens, o que só prova o que sempre digo a respeito de existir um momento certo para determinadas leituras. O final de 2012 certamente não era a hora adequada para A culpa é das estrelas.

Apesar de continuar achando difícil me relacionar com a história - afinal, não conheço ninguém que tenha câncer ou que tenha lutado contra a doença -, a releitura me permitiu compreender porque tanta gente gosta do livro. Ao contrário do que normalmente imaginamos encontrar em uma história sobre adolescentes com câncer, John Green, de forma alguma, entrega ao leitor uma história carregada de choro e drama. Claro que há sim elementos dramáticos, mas estes são realistas. Em nenhum momento tive a sensação de que o autor colocou algo na história para fazer o leitor chorar ou sofrer. Ao contrário de Quem é você, Alasca? Cidades de papel, que falam sobre morte, A culpa é das estrelas fala sobre vida e o que senti o tempo todo durante a leitura foi um tom otimista.

Mesmo com as adversidades de suas vidas, Hazel e Gus são adolescentes comuns, cheios de conflitos e questionamentos típicos dessa fase da vida. Os dois anseiam por um futuro, por uma vida cheia de realizações e saber que provavelmente nunca chegarão a atingir tais objetivos não os impede de tentar viver a vida da melhor forma possível enquanto podem. A culpa é das estrelas não é um livro sobre adolescentes com câncer, mas sobre adolescentes que convivem com o câncer. A cada página o leitor acompanha suas descobertas e reflexões e compreende a maneira deles de enxergar o mundo e a vida.

A narrativa em primeira pessoa realizada por Hazel é muito envolvente, apresentando uma garota de personalidade muito forte e bastante realista, capaz de se comportar como qualquer pessoa de sua idade e que, às vezes, mostra uma maturidade nada comum, mas que deve surgir quando se tem conhecimento de que a morte pode chegar a qualquer momento. Augustus, por sua vez, é bastante carismático e cheio de defeitos - é bastante convencido e prepotente -, o que só o torna ainda mais humano e, por sua vez, adorável. É bastante interessante observar o seu otimismo indo ao encontro da visão realista e conformada de Hazel. No que diz respeito à narrativa, é possível também observar um amadurecimento de John Green como escritor, o que eu acho bastante positivo. Nunca o considerei um escritor ruim ou mediano, mas fico feliz de poder observar esse crescimento, afinal de contas, evoluir é sempre bom.

E para concluir, fico feliz que tenha realizado essa releitura e recomendo a experiência à todos os que tiveram uma primeira impressão do livro parecida com a minha. 

16 de maio de 2014

Sobre releituras | Vida de Leitora #03


Durante esta semana realizei a releitura de A culpa é das estrelas, de John Green, e a experiência me motivou a levantar mais uma discussão por aqui. Hoje, quero conversar um pouco sobre releituras; poucas vezes conversei com alguém sobre o assunto e isso me motiva a querer saber a opinião de vocês.

Eu, particularmente, não tenho absolutamente nada contra releituras. É sempre bom poder visitar um universo familiar e reencontrar personagens que nos marcaram. Li O Hobbit em 2008 e lembro de ter achado o livro muito legal, cheio de aventura e magia; recentemente, li novamente antes de assistir ao primeiro filme e, apesar de não encontrar nada de diferente na releitura, continuo achando o livro uma obra-prima da fantasia. Algo mais ou menos parecido aconteceu quando li novamente O grande Gatsby e O apanhador no campo de centeio. Ao contrário do que aconteceu com o exemplo anterior, durante a releitura pude compreender essas obras de forma mais abrangente e constatar que mesmo com o passar dos anos, aquelas histórias continuavam a falar comigo e que a cada possível releitura encontraria novos aspectos a serem explorados nelas.

Outro ponto que acho bastante válido na releitura é considerar aquela ideia de "momento certo" para conhecer uma história. Às vezes, a gente lê um livro e não acha nada de interessante e até não entende por que tanta gente ama determinada história; com a releitura, é possível que essa opinião mude. Nesse caso, muito depende também das experiências vividas e da maturidade adquirida entre a leitura e a releitura. Li O pequeno príncipe quando tinha dez anos e, na época, não entendi quase nada, pois a minha interpretação da história era bastante literal. A partir da releitura que fiz quase dez anos depois foi possível enxergar inúmeros aspectos na obra de Antoine de Saint-Exupéry que passaram completamente despercebidos por meus olhos infantis. Dessa forma, a releitura me fez conhecer "de verdade" a história do pequeno príncipe e, a partir de então, considerá-lo um dos meus livros preferidos. A releitura nos permite redescobrir histórias e amá-las.

Por um outro lado, consigo compreender a visão de quem não tem o hábito de reler livros. Existem tantas histórias e universos a serem descobertos que muitas vezes optamos por explorá-los ao invés de revisitar mundos já conhecidos. Infelizmente, o tempo é curto e vai ser muito difícil ler tudo o que há para ler no mundo, por isso, é justo priorizar aqueles livros que ainda não foram lidos. E há também o fato de que quando já se tem o conhecimento do desenrolar e do desfecho de uma história, muito da graça da releitura é perdido. Afinal, como se envolver com um mistério policial se já sabemos quem é o assassino? No meu caso, sei que jamais irei reler E não sobrou nenhum, um dos meus preferidos de Agatha Christie, pois já sei como a história acaba.

Acredito que tudo depende muito do que estamos procurando quando optamos por uma releitura, seja a certeza de encontrar uma história envolvente ou um porto seguro literário, seja a compreensão de uma história que não ficou muito clara ou até uma nova interpretação de um livro a partir das experiências que vivemos. Continuo firme na minha defesa das releituras, pois acho-as muito válidas, mas também preciso ressaltar a importância de continuar a buscar novos horizontes literários, pois novas experiências nos permitem abrir as nossas mentes para novas ideias, assim como para o nosso crescimento e nosso amadurecimento intelectual. 

Texto originalmente publicado na coluna Literalmente Falando, do blog Literature-se.

13 de maio de 2014

Felizmente, o leite (Neil Gaiman)

Felizmente, o leite, de Neil Gaiman, tem início quando um menino e sua irmã acordam uma manhã e percebem que não há leite na geladeira. Como a mãe das crianças estava viajando à trabalho, cabe ao pai ir ao mercado e trazer o leite para possam ter um café-da-manhã apropriado: cereal com leite para as crianças e chá com leite para ele.

Após a saída do pai, as crianças aguardam ansiosamente por seu retorno, que demora a acontecer. Quando, finalmente, o pai chega em casa, as crianças começam a questionar o longo tempo que gastou para comprar o leite e o pai começa a explicar as aventuras que viveu nas últimas horas, começando por sua abdução por alienígenas em um disco voador e um encontro com um dinossauro em um dirigível. Quanto mais as crianças duvidam, mais mirabolante a história se torna, envolvendo piratas , wampiros e viagem no tempo.

Já devo ter comentado por aqui ou pelo canal que não tenho problema algum com livros infantis; na verdade, os acho, em sua maioria, bastante divertidos. E com Felizmente, o leite não poderia ser diferente. O que mais me impressionou - além da escrita de Gaiman - é a forma como o autor construiu a história sem jamais subestimar a capacidade de compreensão de uma criança.

Não sei vocês, mas considero viagem no tempo um tema complexo e que nem sempre é bem desenvolvido em uma história - seja ela na literatura, no cinema ou na televisão -, por isso, quando encontro alguma obra que apresenta essa temática com todos os nós amarrados fico bastante feliz. E Neil Gaiman fez isso muito bem, o que só continua a provar que o cara é excelente para escrever episódios de Doctor Who.

Além da ótima construção do conceito de viagem no tempo, o livro traz uma história bastante divertida e narrada por dois personagens. Primeiro, o filho, que conta ao leitor sobre a falta de leite na geladeira e, posteriormente, sobre a demora do pai para voltar para casa; depois, temos o pai narrando as suas aventuras e viagens no tempo. Ou seja, temos aqui uma história dentro de outra história e este é um recurso que funcionou muito bem. Outro aspecto que vale a pena mencionar é o humor na narrativa, acompanhado por muitos diálogos irônicos - o que, mais uma vez, mostra que Neil Gaiman não subestima seus leitores.

Quanto às aventuras narradas, o leitor mais familiarizado com o trabalho do autor, já pode ter uma noção do que vai encontrar: captura por piratas comandados pela Rainha dos Piratas, dinossauros falantes, aliens com constituições corporais semelhantes as de amebas e por aí vai. É um trabalho bastante criativo. Os personagens são bastante carismáticos, destaque especial para Professor Steg e o clã de wampiros. 

Ao concluir a leitura, fiquei com uma sensação gostosa de nostalgia e imaginando que legal teria sido poder ler esta história quando era criança. É uma pena que o livro só tenha sido publicado no ano passado. Fica aqui uma recomendação de leitura muito legal para crianças e para aqueles que, como eu, adoram livros infantis. ✦

7 de maio de 2014

O segredo do meu marido (Liane Moriarty)

O segredo do meu marido, da australiana Liane Moriarty, traz as histórias de três mulheres cujas vidas se entrelaçam por um segredo. Cecilia Fitzpatrick é o exemplo de mulher bem sucedida: tem um bom trabalho, é uma excelente mãe e esposa, além de uma participante ativa e bem vista na comunidade da qual faz parte. Porém, seu mundo desaba quando encontra uma carta de seu marido endereçada à ela e com os dizeres: "Para minha esposa, Cecilia Fitzpatrick. Para ser aberta apenas na ocasião da minha morte". A partir do momento em que toma conhecimento de tal carta, a curiosidade de Cecilia apenas cresce até culminar no instante em que decide por fim ao mistério e desvendar o mistério de John - Paul, seu marido.

Assim como Cecilia, Tess também assiste ao desabamento de seu mundo quando descobre que seu marido, Will, está apaixonado por sua prima Felicity. Tess e Felicity são praticamente irmãs, têm a mesma idade e suas mães são gêmeas; as duas cresceram juntas e se conhecem muito bem. Já na vida adulta, as duas e Will iniciaram um negócio que vem trazendo bons resultados. Tudo muda quando Tess, após descobrir a respeito do romance entre seu marido e sua prima, sai da cidade e vai passar alguns dias na casa de sua mãe, Lucy, levando consigo seu filho Liam. O garoto, por sua vez, é matriculado na mesma escola das três filhas de Cecilia Fitzpatrick. 

Por fim, a autora nos apresenta a Rachel, uma viúva que jamais foi capaz de superar a morte brutal e misteriosa de sua filha, Janie. A falta de respostas foi responsável pela morte de seu marido e pelo distanciamento de seu filho mais novo, Rob. O pouco de alegria e cor que há na vida de Rachel se deve pela presença de Jacob, seu netinho, que em breve se mudará para Nova Iorque, porque Lauren - mãe de Jacob - recebeu uma proposta de emprego imperdível. 

O conteúdo da carta de John-Paul não só revela o pior segredo que ele já teve, como também coloca em risco toda a vida que construiu ao lado de Cecilia. Da mesma forma, a repercussão do segredo poderá trazer grandes impactos para as vidas de Tess e Rachel. Com a consciência do segredo de seu marido, Cecilia Fitzpatrick começa a questionar até que ponto realmente conhece o homem com quem se casou e até que ponto conhece a si mesma.

***

Não vou mentir: quando li o título do livro, julguei que fosse uma história bem genérica, do tipo que a mulher descobre algo sobre seu marido, os dois brigam, reviravoltas acontecem e no final todos vivem felizes para sempre. Mas, felizmente, me enganei! Liane Mortiarty construiu uma história bastante surpreendente, que vai além do que aparenta e apresenta personagens muitíssimo cativantes. O que, a princípio, me pareceu um chick-lit, se transformou aos poucos em um drama contemporâneo com pitadas de policial nos primeiros capítulos.

Logo no início, me surpreendi com a maneira escolhida pela autora para contar a história, construindo cada cena e cada diálogo de forma bastante envolvente, instigando o leitor a continuar a leitura. Os acontecimentos ocorrem durante a semana da páscoa, os capítulos são divididos entre as três protagonistas e narrados em terceira pessoa (eventualmente temos acesso aos pensamentos das três mulheres). Em intervalos entre os capítulos, o leitor tem acesso a trechos de notícias antigas ou flashbacks que se relacionam com as histórias do presente. E isso é incrível, porque a narrativa acaba por não ser linear, o que, a meu ver, só enriquece a experiência de leitura.

No que diz respeito à construção de personagens, afirmo que a autora foi muito feliz, pois são todos muito realistas e de fácil identificação; o leitor compreende as suas motivações, sente as suas dores e as suas alegrias. A única coisa que pode ser considerada uma ressalva por alguns é no que toca a questão do segredo de John-Paul. Antes de chegar ao momento da revelação, eu já desconfiava do que seria e acho que isso não aconteceu por eu ter o costume de ler livros policiais, mas sim por ter sido a intenção da autora. O que importa, na história, não é saber qual é o segredo, mas entender a repercussão que ele trará. Por isso digo: se você se interessou pela história porque acha que é algo mais na linha de romances policiais, há uma grande chance de se decepcionar. Como afirmei acima, mesmo com pitadas de mistério no início, a história trata de um drama familiar.

Ao final da leitura, dois pensamentos ficaram: 1) o fato de que nunca conheceremos por completo a pessoa que escolhemos para passar o resto da vida ao nosso lado; 2) precisarei reler O segredo do meu marido daqui uns 10 anos, porque muita coisa do que é apresentado (casamento, filhos, etc. ) ainda não faz parte da minha experiência de vida. Com isso dito, fica aqui a minha recomendação de uma ótima leitura, envolvente do começo ao fim e que vai te fazer ficar pensando na vida por algum tempo. ✦

1 de maio de 2014

Bliss (Lauren Myracle)

 Bliss é uma adolescente de 14 anos que não foi criada de forma convencional. Vivendo no fim dos anos 1960, cresceu em uma comunidade hippie e tem a sua vida transformada quando seus pais, em forma de protesto, decidem se mudar para o Canadá, deixando-a na casa de sua avó materna - uma mulher bastante tradicional e, de certa forma, triste pelos rumos que sua filha resolveu seguir.

Após ser matriculada em uma escola de elite, Bliss começa a compreender como é a vida de uma adolescente normal. Faz amizades, passa a ter interesse por moda, maquiagem e garotos e, claro, é inserida - contra a sua vontade - no contexto social/hierárquico que é o high school. Mas, ainda assim, sua vida continua a não seguir o que chamaríamos de normalidade. Logo em seu primeiro dia de aula, a garota escuta uma voz vinda de um prédio muito antigo dentro do campus estudantil. Uma voz não-humana, vinda do além, que afirma que Bliss é a chave para tudo, a peça que estava faltando.

Assustada e convencida de que a voz não pertencia a algo/alguém bom, Bliss resolve evitar o prédio em questão e passa a se dedicar à sua nova vida. Enquanto tenta compreender como o ensino médio funciona, ela conhece Thelma que, de certa forma, se torna sua guia de sobrevivência dentro da escola (ela sabe o que é legal e o que não é; quem é popular ou não; com quem falar, o que vestir, como se comportar, etc.); Sarah Lynn Lancaster, a menina mais popular da escola, aquela a quem todos buscam agradar ou de quem querem a amizade; e Sandy, uma garota um tanto quieta e anti-social, que sofre bullying por seu excesso de peso e de quem todos querem ficar o mais longe possível.

Em meio aos conflitos internos entre essas garotas, Bliss começa a compreender que o mundo é bem menos colorido do que ela foi levada à crer. Charles Manson e sua Família estavam sendo julgados pelos crimes do caso Tate-LaBianca, pais de seus colegas integravam a Ku Klux Klan e uma presença maligna se esconde nos arredores de sua escola. Sem saber ao certo como reagir a essas mudanças bruscas em sua vida e na sua forma de enxergar o mundo, ela tenta se manter fiel aos valores que lhe foram ensinados desde criança, buscando sempre enxergar o bem nas pessoas, sem preconceitos.

***

Soube de Bliss por meio de um vídeo da Tatiana Feltrin e, na época, pesquisei mais algumas opiniões e resolvi encomendar o meu exemplar pelo Book Depository. Faz quase um ano que isso aconteceu e só agora realmente me dispus a lê-lo. E digo que esperava mais. Não que o livro seja ruim, porque não é. 

Bliss é uma protagonista muito boa; mesmo se tratando de um young adult, a sua personalidade consegue ser bem diferente daquela encontrada na maioria das heroínas dos livros voltados para o público adolescente. Longe de ser insegura, Bliss sabe o que quer e não se deixa influenciar pelas opiniões de terceiros, mantendo-se sempre fiel aos seus valores. Mesmo quando o leitor sabe que ela está agindo de forma estúpida, não é possível julgá-la, pois suas ações são muito coerentes com a sua personalidade e com o que ela acredita que seja o certo. Bliss é o tipo de garota de quem eu seria amiga no colégio.

Aos poucos, a trama começa a se desenrolar e alguns mistérios são solucionados enquanto outros surgem. De uma forma geral, consegui prever muito do que viria a acontecer e talvez seja por isso que não tenha gostado tanto do livro. Talvez, se o tivesse lido quando era mais nova, o livro poderia ter me impactado mais. Acredito que hoje já trago em minha bagagem intelectual algumas histórias com elementos semelhantes aos de Bliss, o que acabou por estragar qualquer sensação de surpresa.

Há também muitas referências ao contexto histórico da época. Durante toda a história, Bliss e seus colegas conversam e discutem à respeito do assassinato de Sharon Tate e seus amigos, bem como do casal LaBianca, e sobre os rumos do julgamento de Charles Manson e sua Família. Cada capítulo tem início com alguma citação referente à época: trechos de notícias, letras de músicas, falas de The Andy Griffith Show e até frases do próprio Charles Manson. Por mais interessantes que fossem as citações, não entendi o porquê de estarem no começo de cada capítulo; não me pareceram acrescentar nada à trama.

Ainda assim, afirmo que, com uma narrativa fluida e bastante envolvente, o livro pode ser uma ótima escolha para quem não está muito habituado a filmes/séries/livros de terror e suspense. É um YA bem diferente dos que encontramos com maior frequência. E para aqueles que já estão habituados a este tipo de história, Bliss se apresenta como um bom entretenimento; previsível, mas ainda assim, gostoso de ser lido e que deixa saudades quando a leitura é concluída. ✦