22 de março de 2014

O Circo Mecânico Tresaulti (Genevieve Valentine)

Ambientado em um cenário pós-apocalíptico no futuro e com elementos de mistério, drama, fantasia e steampunk, O Circo Mecânico Tresaulti, de Genevieve Valentine, nos apresenta à um mundo destruído pelas guerras no qual a humanidade tenta sobreviver nas ruínas do que um dia foi chamado de civilização. Sem esperanças de uma vida melhor, muitos se juntam ao Circo Mecânico Tresaulti quando este está de passagem.

Sob a liderança de Boss, a caravana circense viaja eternamente através de cidades sem país e regiões devastadas por bombas, atraindo a atenção de todos. Com atrações que vão desde dançarinos, malabaristas e trapezistas à números que desafiam as lógicas da física, o circo é um sucesso por onde quer que vá, levando um pouco de alegria e paz àqueles que precisam. Porém, há algo de estranho, misterioso e sombrio no Circo Mecânico Tresaulti e seus peculiares integrantes.

O grupo se divide em dois: aqueles com os ossos e aqueles sem os ossos. Os primeiros tiveram seus corpos destruídos pela guerra e, pelas mãos de Boss, foram transformados em seres meio humanos e meio mecânicos, dotados de muita força física e habilidades magníficas, além de não poderem morrer. Aqueles que não possuem os ossos são pessoas comuns, mortais e livres para deixar o circo quando quiserem e que não são o foco principal da história.

De forma linear - mas com alguns trechos de flashback ou flash forward - o livro apresenta duas tramas principais que se desenrolam durante as viagens do circo ao longo dos anos. Uma delas está relacionada às asas de Alec, o Homem Alado (a melhor atração do Tresaulti), e o mistério acerca delas; a outra mostra o ponto de vista do Governo, bem como o seu interesse pelo circo, Boss e suas criaturas mecânicas.

Por meio de três narrativas (em primeira, segunda e terceira pessoa) que se alternam, o leitor acompanha a história de cada um dos personagens principais e passa a conhecer seus medos, angústias e desejos. Little George é o rapaz responsável por atrair o público ao circo e é por meio de sua narrativa que obtemos muitas informações importantes sobre a história do circo e seus integrantes (atuais e antigos); sob a sua perspectiva, formamos uma opinião geral de quem é quem, como se comportam, como tratam uns aos outros, etc. A narrativa em terceira pessoa nos permite compreender o dia-a-dia do Tresaulti, seu funcionamento e o passado de Boss, dos integrantes com os ossos e de Little George. Já a narrativa em segunda pessoa é a mais imersiva, por vezes colocando o leitor na pele de algum personagem ou então de espectador do circo.

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O Circo Mecânico Tresaulti foi, para mim, um livro estranho. Não achei ruim, só achei bem diferente do que costumo ler, por isso, demorei para conseguir imergir de vez na história. E isso acabou por atrapalhar um pouco a experiência, pois não consegui me apegar aos personagens, logo, não fazia muita diferença o viria a acontecer com eles. Mesmo com a construção e a apresentação de um passado para cada um, encontrei dificuldade para compreender porque se sentiam ou se comportavam de determinada maneira e mesmo quando uma razão me era apresentada, só compreendia porque o narrador dizia "fulano quer isso", "fulano sente raiva por causa disso" ou coisas do tipo. Nunca compreendia o personagem por suas ações, mas pelas explicações do narrador.

Acredito que o principal problema comigo foi não esperar o momento certo para ler e, principalmente, querer devorar cada palavra. O Circo Mecânico Tresaulti é aquele tipo de livro que deve ser lido com calma e fazendo uso de uma certa subjetividade (fez sentido?), deixando que cada palavra te faça mergulhar na narrativa e, consequentemente, naquele universo. A autora não perde tempo fazendo muitas descrições ou oferecendo explicações sobre o contexto político/social/econômico do mundo que criou e isso pode ser considerado um problema para algumas pessoas, pois tudo fica com um ar mais superficial e aleatório; mas também abre margem para o leitor imaginar o que quiser, o que não é de todo negativo.

De uma forma geral, O Circo Mecânico Tresaulti não foi a melhor leitura da minha vida, mas foi uma boa experiência, uma experiência válida. É um livro interessante e bastante criativo, mas que exige o momento ideal para ser lido. Mesmo com as dificuldades que encontrei, penso em reler a história algum dia e a recomendo à todos os que se interessaram pelo enredo.✦

21 de março de 2014

O Ladrão do Tempo (John Boyne)

Matthiew Zéla nasceu em Paris no século XVIII e tinha 15 anos quando viu sua mãe ser brutalmente assassinada por seu padrasto. Após o julgamento e condenação do culpado, Matthiew resolve ir embora da França junto com Tomas, seu meio-irmão de seis anos. Em um navio para a Inglaterra, os dois conhecem Dominique Sauvet, uma jovem muito bela por quem Matthiew logo se apaixona. Juntos, eles formam uma família e buscam melhorias para o futuro.

Ao final do século XVIII, Matthiew percebe algo peculiar a seu respeito: ele parou de envelhecer e, consequentemente, não pode morrer. Em suas próprias palavras: Eu não morro. Apenas fico mais e mais velho. Se você me visse hoje, com certeza diria que sou um homem perto dos cinquenta anos. Sem compreender os motivos que levaram isto a acontecer, ele apenas aproveita o tempo extra que lhe foi concedido. Ao contrário da maioria dos personagens imortais encontrados na literatura, na televisão e no cinema, Matthiew gosta de viver, gosta de saber que os anos passarão e que ele continuará por aqui. Com o decorrer dos séculos, o protagonista não deixa de perceber um padrão relacionado à Tomas e seus descendentes; todos parecem morrer de forma trágica por volta dos vinte e poucos anos, após terem engravidado alguma mulher.

Utilizando uma narrativa em primeira pessoa e dividida em três partes que se intercalam, John Boyne apresenta ao leitor um panorama geral dos principais acontecimentos que marcaram o mundo nos últimos dois séculos, como a Revolução Francesa, o renascimento das Olimpíadas, o início da Revolução Industrial, a Hollywood dos anos 1920, a quebra da bolsa de valores de Nova York, entre outros. O livro tem início com Matthiew contando os acontecimentos atuais de sua vida no ano de 1999, quando trabalha como acionista em uma emissora de televisão e toma conta de Tommy, um dos descendentes de seu irmão que, aos vinte e poucos anos, é o maior astro da televisão britânica, vive sendo perseguido por paparazzi nas ruas e tem um sério problema com drogas. Paralelamente a essa narrativa, o leitor acompanha a vida do jovem Matthiew vivendo no século XVIII após chegar à Inglaterra e também outros acontecimentos aleatórios ao longo dos anos na vida do protagonista.


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Em seu romance de estreia, John Boyne deixa claro que gosta de História e também já mostra a sua habilidade para construir narrativas que se relacionem a acontecimentos marcantes do mundo. Com um enredo bem desenvolvido e sem fazer uso de muita linearidade para contar a vida de Matthiew, O Ladrão do Tempo exige um pouco mais de atenção do leitor disperso, já que, além de conter saltos temporais, traz muitas referências históricas à locais, personalidades e livros (!) que marcaram determinada época. Entre as obras citadas estão O Conde de Monte CristoA Letra EscarlateUm Estudo em VermelhoO Grande Gatsby e Adeus às Armas.

É interessante ressaltar que apesar do título sugestivo, não estamos falando de um livro de ficção-científica ou fantasia, cheio de explicações para os acontecimentos. Tudo é muito sutil e desenvolvido de uma forma mais lenta, o que pode ser encarado como algo negativo por algumas pessoas; principalmente se levarmos em consideração as 568 páginas do livro. Eu, particularmente, me incomodei em alguns momentos; não porque estivesse esperando algo mais rápido, mas por imaginar que seria um livro mais instigante e com um clímax cheio de tensão, como o de O Palácio de Inverno, do mesmo autor.

Ainda assim, O Ladrão do Tempo não é, de forma alguma, um livro ruim. Durante todo o tempo, a narrativa de Matthiew prende a atenção do leitor, que começa a se apegar a alguns personagens e a detestar outros, assim como ficar curioso para saber qual será o próximo acontecimento histórico presenciado pelo protagonista. Gostei principalmente das partes em que Matthiew conta a sua experiência com a indústria cinematográfica na Hollywood dos anos 1920, incluindo o próprio Charlie Chaplin como personagem, além de citar muitos atores, atrizes e diretores famosos. Tommy também é um personagem muito cativante, sempre rendendo momentos de risada com seus comentários extremamente realistas e sarcásticos acerca do mundo do show business. Por fim, recomendo a leitura à todos os que gostam de uma boa viagem pela História e/ou já conhecem o trabalho do autor.✦

10 de março de 2014

Cidades de Papel (John Green)

Cidades de Papel, terceiro livro de John Green, traz a história de Quentin Jacobsen, um adolescente que está prestes a concluir o último ano do high school e já tem todo o seu futuro planejado: faculdade, um bom emprego e sucesso. Quentin nutre uma discreta (?) paixão por Margo Roth Spiegelman, sua antiga amiga de infância que, com o tempo, se afastou e se transformou na garota mais ~problemática~ e popular da escola. Quando crianças, os dois presenciaram uma situação traumática e, enquanto Quentin superou tudo relativamente bem - já que seus pais são psicólogos -, Margo não teve a mesma sorte.

Após anos sem manterem contato, além de cumprimentos cordiais nos corredores da escola, Margo aparece na janela do quarto de Quentin no meio da noite e lhe pede para ajudá-la em um plano. Juntos, os dois vão viver muitas aventuras durante a madrugada e Quentin passa a acreditar que a antiga amizade será retomada e um possível romance terá início. Porém, no dia seguinte, as coisas são completamente diferentes do esperado: Margo Roth Spiegelman simplesmente desaparece. Como não é a primeira vez que algo do tipo acontece, os amigos mais próximos, os pais da garota e a polícia não prestam muita atenção ao ocorrido e simplesmente ignoram.

O único que parece genuinamente preocupado com o paradeiro da garota é Quentin que, aos poucos, percebe que ela lhe deixou pistas para encontrá-la. Decidido a descobrir o que há de errado com Margo e contando com a ajuda de Radar (o amigo nerd e dono de um site tipo a Wikipédia), Ben (o amigo tosco tipo o Howard, de The Big Bang Theory) e Lacey (a suposta melhor amiga de Margo), Quentin começa a juntar as peças do quebra-cabeça que é Margo e que podem levá-lo até ela.

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Vou ser sincera: até algumas semanas atrás não sabia muito bem o que pensar sobre John Green. Ao contrário de metade do mundo, não morri de amores por A Culpa é das Estrelas (até hoje não sei o que achei deste livro, gente) e, apesar de ter gostado de Quem é você, Alasca?, nada do autor havia falado diretamente comigo. Já estava considerando a possibilidade de John Green ser apenas um cara legal que escrevia livros legais e que o problema estava comigo que já não tinha idade para me identificar com seus personagens. Ainda bem que me enganei.

Tudo começou com este vídeo da Stela e aí, a leitura de Cidades de Papel se tornou algo inevitável. Com uma temática um pouco mais palpável, o livro difere bastante da história de Hazel e Gus e se aproxima de Quem é você, Alasca?, tratando de temas como a morte e o nosso propósito no mundo. Gostei muito do significado das chamadas cidades de papel e a relação que John Green estabeleceu entre elas e os seres humanos.

Outro fator que achei interessante durante a leitura é a forma como o ato de criar expectativas em relação a algo ou alguém é desenvolvida. Durante toda a história, Quentin imagina inúmeras versões de Margo, a maioria delas baseadas apenas em suas expectativas ou na ideia superficial que tinha dela. Demora bastante até ele começar a enxergá-la como uma garota normal, humana como todas as outras.

Ao contrário do que senti ao ler os outros livros citados do autor, fiquei com a sensação de que Cidades de papel não foi um livro escrito para um público jovem adulto. Longe de mim vir aqui dizer que uma pessoa precisa ter determinada idade para ler um livro, mas acredito que este livro exige que o leitor tenha passado por algumas experiências para que possa ter uma compreensão maior da obra. Experiências pelas quais uma pessoa com seus 14 ou 15 anos muitas vezes ainda não passou (há exceções, claro). Falando como uma pessoa que acaba de chegar aos 24, Cidades de papel fez muito mais sentido para mim agora do que poderia ter feito há dez anos.

E para concluir o texto, preciso dizer que um dos grandes atrativos no livro é composto pelas referências ao poema Folhas de relva, de Walt Whitman, e ao livro A redoma de vidro, de Sylvia Plath (que já entrou para a minha TBR). Agora posso dizer com convicção que gosto de verdade de um livro do John Green; livro que entrou para os meus preferidos do ano (até o momento) e que eu recomento para aqueles que gostaram de Quem é você, Alasca? e/ou se perguntam constantemente o que querem para as suas vidas. Lembrando que é sempre válido encarar tudo despretensiosamente e sem criar altas expectativas. Estou falando de um livro sobre entrelinhas, ok? ✦